MEMORIAL III: o outro lado do 12º Festival de Teatro de Curitiba
por Vavá Paulino


Recife, 20 de março de 2003; 06:40 h; Aeroporto Internacional dos Guararapes inundado de tanta chuva! Aeronaves no pátio. Chuva! Aeroporto fechado. Uma hora de atraso na saída para São Paulo.

São Paulo, mesmo dia; 10:00 h; muitos „japas‰ na sala de embarque no aeroporto de Guarulhos. É muito bom que se diga: A VASP é péssima! Duas horas de atraso na saída para Curitiba.

Chegamos em Curitiba, após atrasos e mais atrasos, às 15:00 h deste memorável 20 de março deste ano que corre solto qual bicho no mato. Depois de 50 minutos de ônibus urbano conseguimos chegar ao QG da mostra fringe, no largo da ordem centro histórico de Curitiba. E aí, o de praxe: credenciais, apresentações, orientações, e vamos à procura de hospedagem/alojamento ou qualquer coisa parecida. Ah! O Hotel Vitória. Que nome premonitório!

Leituras feitas, mapa da cidade decorado, isto é, tatuado no cerebelo; começamos a entender algumas coisas da cidade. Este é realmente o maior festival de teatro do Brasil. Mas, e daí? Até quando continuaremos com este complexo de ITU? Interessa-nos: quando nos tornaremos o melhor? Bom, 20 espetáculos na mostra contemporânea, 180 espetáculos na mostra fringe! E a cidade tem público para tanto?

O Paraná é um estado do sul. Vejamos bem o que isto significa! Ou melhor, deveria significar. Sejamos honestos: a única diferença é a cor da pele, dos olhos, dos cabelos das pessoas. A domesticidade, a dependência cultural interna é a mesma ou pior que a nossa. Tudo gira em torno do Rio de Janeiro e São Paulo.

Este slogan que toda a imprensa nacional ajuda a divulgar, „a vitrine do teatro nacional”, nada mais é que uma grande balela pra não dizer propaganda enganosa. Os espetáculos selecionados para a Mostra Contemporânea, têm tudo: passagens, hospedagem, alimentação, cachê, divulgação e fundamentalmente: atores globais! E este parece ser o critério prioritário para fazer parte da mostra oficial.

Esta coisa de cidade sorriso, capital social, etc e tal, idem, as pessoas não dão informações, e quando o fazem dão a informação errada; para que andemos bastante e tenhamos a impressão de que a cidade é enorme. Ai, ai, ai! Como fomos enviados pelo Jornal Ribalta, sem nenhuma benesse do festival podemos falar nossas impressões sem receios.

Os espetáculos selecionados para a Mostra Fringe, não têm nada. A não ser o critério de seleção. Você pagando R$ 50,00 (cinqüenta reais) por cada récita que pretenda fazer com seu espetáculo é o que vale. Eles lhe prometem 80% da bilheteria e divulgação que não existe. Se o grupo não levar do seu local de origem os panfletos, cartazes e outras coisas mais, fica sem divulgação.

A organização do festival coloca estes 200 (duzentos) espetáculos nos horários mais loucos. Tipo assim: tudo ao mesmo tempo agora! Daí que gera dois grandes problemas de imediato: primeiro, os intervalos entre os espetáculos ficam reduzidos a mais ou menos uns cinqüenta minutos para desmontagem de um e montagem do próximo a se apresentar; segundo, os participantes do festival ficam praticamente sem condições de assistir aos demais.

É assim mesmo: espetáculos demais e público de menos. Sim, uma coisa boa: ensaiar o espetáculo no meio da rua. E depois a grande descoberta: os espetáculos de rua, que por não poderem cobrar bilheteria, recebem da organização hospedagem gratuita no maravilhoso Colégio Marista Paranaense, e tickets para alimentação junto com os funcionários do festival.

Foi assim que no dia 22 de março, assisti ao melhor espetáculo deste 12º festival de teatro de Curitiba. Teatro popular porque feito por gente do povo; sem o banho de ouro micheline que a academia pincela nos artistas da classe média. Era tudo ver aquele homem, perneta, vestindo padrão da Seleção Brasileira, camisa 9, duas muletas e uma bola. Esta é a descrição de um dos três elementos constitutivos do fenômeno teatral. Os outros dois: o público numerosíssimo, na rua XV de novembro; e o texto: mais atual e de comunicação imediata impossível. Futebol e FOME! Vale aqui mais uma dos titãs: miséria é miséria em qualquer canto. O Homem, a bola, as muletas, a perna única &Mac246; como se fora personagem de Samuel Beckett; eram p olifonia sígnica da mais pura teatralidade.

Mas, os convidados, assim como os curitibanos só queriam saber dos afluentes do rio ota, das longas jornadas noites adentro e a fora, dos conventos, das pontes, dos faustos, do deus chamado dinheiro, enfim: pessoas invisíveis. E paradoxalmente, tudo e todos em busca de visibilidade.

A direção geral do festival estima que 110 mil pessoas passaram pelas bilheterias nos onze dias. E como se explica a preocupação dos bilheteiros e "anjos" - apoio de produção local para os grupos; estarem diariamente checando entre si os totais de público pagante para terem a medida exata do percentual de 20 % do total de todas as biolheterias a sser rateado entre eles? Num festival orçado em 1,7 milhão, como não ter previsto pagamento decente para os trabalhadores? Os ingressos da mostra contemporânea custavam R$ 20,00 e R$ 10,00, inteira e meia respectivamente. Na mostra fringe os valores caíam para R$ 10,00 e R$ 5,00. É para se preocupar, e no mínimo relembrar o aprendido em matemática, fazer cálculos com regra de três simples para se ter noção do complexo.

O que é isto? Belezas que ressaltam carências. Haveremos, um dia, de encvontrar solução para esta "pendenga". Quantos personagens avaros permeiam as Artes Cênicas nacional? Qual a medida exata da classe teatral? Jeneuse? Deslumbramento? Santa ignorância? Ou, como já disse Ivana Moura: "É a lógica do mercado. Da oferta e da procura e salve-se quem puder ou tiver mais balas para atirar". Concluo: e quem não as tiver continuará chupando o dedo!

Artigo publicado no Jornal RIBALTA do SATED-PE ANO III Nº 32 ABRIL 2003.




©2004 Moisés Neto. Todos os direitos reservados.