Peter Pan
por Regina Vilaça


Introdução

Este trabalho é um projeto de análise da obra Peter Pan em suas versões mais conhecidas: A obra original de J. M. Barrie, a versão cinematográfica em desenho animado de Walt Disney, a versão recontada pela D. Benta de Monteiro Lobato, e a recente versão cinematográfica de Spielberg – Hook, que dá continuidade à estória original.

Como o projeto é muito ousado, e o tempo e os recursos de que dispomos não são da “Terra do Nunca”, conseguimos aqui organizar apenas um esboço de análise, que servirá de apoio para um trabalho mais elaborado depois.


Sobre o autor:

Barrie, Sir James (Matthew) nasceu a 9 de maio de 1866 na Escócia e morreu a 19 de junho de 1937 em Londres. Foi teatrólogo e romancista. Trouxe o sobrenatural para o palco numa época onde o realismo dominava a literatura e criticava a sociedade industrial britânica cruelmente.

Filho de um tecelão, estudou na Universidade de Edinburgh.

Segundo autobiografia, Barrie nunca se recuperou do choque de ter perdido um irmão aos 6 anos, e do efeito dramático desta perda em sua mãe. Esta mãe foi para ele dominante e sedutora. Ele a fez heroína do romance Margaret Ogilwy, mas em quase toda sua obra a presença da mãe é forte e marcante.

Casou-se pela primeira vez com a atriz Mary Ansell mas não teve filhos. Depois encontrou em Sylvia Hewllyn uma “pequena mãe”: Sylvia já tinha filhos do casamento anterior e para estas crianças Barrie contou pela primeira vez as aventuras de Peter Pan. Em 1904, a peça Peter Pan foi encenada com grande sucesso. Em 1919, a estória foi publicada com o título de Peter and Wendy.

Quando Barrie divorcia-se de Sylvia, ela morre 4 meses depois. Dois de seus filhos, dos quais ele era tutor, também morreram.

Barrie sempre demonstrou uma atitude de desencanto para com a vida adulta. Peter Pan é um reflexo deste desencanto.


Situação Histórico-Social:

Durante as duas últimas décadas do Século XIX e as duas primeiras do século XX, temos as idéias racionalistas de Darwin e a filosofia positivista de August Comte.

Os valores sociais e econômicos transformam-se e o sucesso é aspirado ao nível de empreendimento individual que coletivo. As atitudes vitorianas ainda estavam bem vivas na cultura Britânica, que tentava demonstrar-se extremamente civilizada, ordenada e cheia de etiquetas.


Peter Pan

Peter Pan a criança eterna, total e múltipla.

“Todas as crianças, menos uma, crescem”.

Esta criança é Peter Pan. Porque segundo Barrie, é um desastre crescer, principalmente quando já em criança tem-se consciência disto: “Wendy sabia que teria que crescer. A gente sempre tem consciência disto depois dos dois anos. Dois anos: isto é o começo do fim”. A partir desta consciência deixamos de voar. Deixamos de ser, tão cedo, “despreocupados, felizes e inocentes”. E os adultos, os pais, são os maiores culpados por este desperdício de infância.

Peter Pan fugiu porque os pais já lhe estavam traçando o futuro, quando ele era ainda bebê. Peter Pan é um menino marginal que vive em seu mundo: independente, mas só, sem carinho, e apesar da liberdade total de fantasia, é muito carente.

Peter sente-se só apesar de ser o líder dos Meninos Perdidos (p. 39), ele também precisa de uma mãe e de carinho. Precisa ouvir estórias para reinventá-las na Terra do Nunca, é a mente das crianças, tudo é Faz-de-conta, impossível de mapear.

A ação de contar estórias tem importância fundamental no romance: a literatura é importante e necessária, mesmo para quem não sabe ler com os Meninos Perdidos.

Peter tenta esconder esta carência com auto-elogios e muita presunção. É um instrumento de defesa, um disfarce da sua fragilidade, que é explorado na versão de Disney em narcisismo machista, transformando o personagem em um líder vulgar. Peter Pan de Barrie é puro. Ele não consegue entender as insinuações de “Sininho” ou Tiger Lili ou mesmo Wendy. Como uma criança, um menino, ele é ingênuo em relação ao sexo oposto, enquanto que o Peter de Disney é um convencido machista. Em Disney, Peter é rude com ela: “Meninas falam demais” e quando Wendy apresenta-se com seu nome completo, ele replica: “Wendy é o suficiente” e ordena “Acabe esta costura”, e a garota aceita tudo isto caladinha. No original de Barrie este diálogo não existe. Peter Pan de Disney é um irreverente de mau gosto, rude e mal educado. Todas as figuras femininas da Terra do Nunca são apaixonadas por ele e o amor delas é tão vulgar que morrem de ciúmes umas das outras e brigam entre si. A Fada Sininho chega a trair Peter Pan, contando ao Capitão Gancho onde ficava o esconderijo dos Meninos Perdidos, só por ciúmes. No original, Sininho chega a armar um plano contra Wendy, mas nunca trai Peter Pan, e no final ela é a peça chave contra o Capitão Gaúcho e ajuda Peter a salvar Wendy, os meninos, e o próprio Peter Pan.

Peter de Barrie respeita a figura feminina e tenta orientá-la para a liberdade. Mas quando ele explica a Wendy porque não existem meninas na Terra do Nunca, ele diz que “Meninas não caem do carrinho, porque são muito sabidas”.Ela, apesar de representar a mãe e pouco se envolver com as aventuras dos meninos, tem uma personalidade forte, e sabe o que quer e diz a Peter que ele não é o Capitão na casa dela. Na visão de Disney, Wendy é totalmente submissa a Peter Pan e só serve para contar histórias e fazer os trabalhos de casa.

Outra figura feminina é a Sra. Darling, revelada na obra de Barrie como mãe e esposa atuante. Ela participa do controle econômico da casa, mas se do controle econômico da casa, mas sem os exageros do marido, é a líder da família, e é realista e romântica ao mesmo tempo.
Por outro lado, o Sr. Darling é um típico imbecil burguês, que quer sempre dar muita satisfação aos outros e por isso tinha uma cadela como Babá. Naná, a cadela, cuidava muito bem das crianças mas era tratada mal pelo Sr. Darling. De remorso, o Sr. Darling toma seu lugar no canil depois do desaparecimento das crianças.

Já Peter, apesar de ser o líder dos garotos perdidos, também precisa de uma “mãe” (que se reflete em Wendy) e de carinho. Ouvir histórias para reinventá-las na Ilha do Nunca (que poderia ser a “mente das crianças”): impossível de mapear tal faz-de-conta, mesmo que as aventuras dele lembrem as violentas ruas de Londres da época. A atemporalidade dele é a das crianças em suas brincadeiras.
O autor dialoga com o leitor e escreve do ponto de vista da criança. Há uma imagem muito forte do lar como um lugar para se voltar (Wendy diz que sua mãe vai estar sempre à espera com a “janela aberta”-uma imagem forte e necessária). Peter não acredita, pois quando ele voltou sua própria mãe havia fechado a janela e havia outro bebê em seu lugar. Eis sua desilusão-ele não queria crescer.
Os adultos continuam ferindo Peter, mesmo em sua fantasia. O capitão Gancho trai Peter (isto dói mais espiritualmente do que fisicamente: “A dor da injustiça estonteou Peter Pan. Toda criança sente muito a primeira vez que é tratada injustamente”. O faz-de-conta é tocado pela realidade.

Quem é Gancho? Um burguês frustrado, o pai que quer ser maior. Sente ciúmes de Peter. É um homem só e carente, formal como a sociedade vitoriana. Ele confessa: “nenhuma criança me amaria”. Mas ele quer ser amado! Convida os meninos para se tornarem piratas e Wendy para ser sua... “mãe”! Sente-se inferior a Peter principalmente por causa da nobreza de espírito. No auge da disputa, ele pergunta a Peter: “quem é você?” E o Peter responde: “Eu sou a juventude e a alegria”. Tal resposta Gancho classifica como contra-senso, mas não pode deixar de admitir que a nobreza de Peter é tão grande, que nem ele tem consciência do que é.




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