Os últimos dias do Recife

um conto de Moisés Neto

Jove está completamente bêbada. O rio Capibaribe correndo junto do restaurante, em curva generosa e ligeiramente perfumada naquele final de tarde no Recife. Que bairro era aquele? Jaqueira? Casa Forte? Dois Irmãos? A negra se perguntava: “Com que roupa eu vou?”. Nisso Aninha, voltando do toalete, parou e falou com uns caras no piano-bar e gargalhou com algo que um daqueles sujeitos disse. Era um tipo meio durão, sinhozinho mandão de corte canavieiro topetudo. Quando Aninha veio, Jove mostrou um retrato de um jovem despido para ela. “É esse, o tal fulano com quem estou... me... relacionando há três semanas. É o aniversário dele e a festa promete. Eu serei a dancing queen, entendeu? Ele me chama de minha imperatriz, só porque eu disse que estrangeiros como ele aqui no Recife vem apenas comprovar a prepotência do neo-imperialismo ianque, mas também disse que já que ele veio nos `salvar´ da inundação, tudo bem. Tenho mais escrúpulos não. Tomei ele daquela fulana porque senti firmeza na promessa de mudança. O cheiro de atitude que ele traz”. Aninha olhou para ela chocada: “A fulana é afilhada do prefeito”. Jove rebateu: “Dane-se! Se o Recife ficar debaixo d´água aí eu quero ver o prefeito boiando! Estou é preocupada com minha roupa, o estilista da Paulinha aprontou comigo. Vá confiar! Mas pelo menos o meu assessor cuidou muito bem da divulgação do negócio. Gostou da minha foto na coluna?”. “Não dou importância a essas coisas, você sabe. Aliás, detesto aquela gentalha, aquelas jóias me ofuscam, se é que você me entende. Mas diga: você não sabe dos escândalos com os norte-americanos? Este seu casinho, o tal engenheiro do Tio Sam, pode lhe custar muito caro depois que acabar a ocupação”. Jove gargalhou: "Nunca que eles vão! Estes depois que colocam o olho num, tomam! Não estou dizendo? Nunca vi nada como esse homem”. Aninha devolveu a foto. “Pelo menos ele é competente? A construção do dique está bem adiantada. Sabia que ele já me deu uma cantada?”. Jove aquiesceu: “Não se preocupe honey. Eu não sou armorial! Fui criada na beira-mar de Boa Viagem e essa porra de cidade vai pro beleléu, é problema dela. Não vou me ligar se meu homem comeu ou deixou de comer alguém, eu quero é me dar bem. Estou cansada das falsas promessas deste novo milênio. Já empacotei tudo que eu tenho. Vou bem ficar esperando a onda chegar aqui. Sei lá se o tal dique agüenta. Não preciso nem esperar. Vou morar no Texas, bem sequinha. Meu amor tem um rancho lá. Passamos quatro dias inesquecíveis no Novo Éden, é o nome do nosso lugarzinho vermelho, branco e azul, cansei de verde-amarelo.” Aninha riu tranqüilizando-se: “Eita neguinha abusada!” Jove pediu um capuchinho ao garçom. “Você quer mais alguma coisa, Aninha?” Esta fez biquinho e disse: “Um sorvete de menta com chocolate.”.




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