Ariano Suassuna liquidifica O Santo e a Porca (1957)

 (Uma "Imitação Nordestina de Plauto", referindo-se à Aululária, do autor latino).


Mais uma comédia de Suassuna que quer corrigir, pelo riso, os maus hábitos e termina reforçando mais do que corrigindo. A trama é de tirar o fôlego de tão mirabolante e caricata: Eudoro Vicente enviou uma mensagem para um tal Eurico afirmando precisar do seu bem mais valioso. Este mora com a filha Margarida, a irmã do mencionado Eurico, Benona, a criada Caroba e Dodó, filho do rico fazendeiro Eudoro. O Dodó está disfarçado, deformado e é pirangueiro. Assim, ganhou a confiança de Eurico, que o fez protetor da filha, a quem Dodó namora matreiramente. Quando chega a carta entregue por Pinhão, empregado de Eudoro e noivo de Caroba, empregada de Euricão. 

Eudoro anuncia que vai aparecer para pedir esse bem tão caro a Eurico, que se diz pobre e pensa que o outro quer dinheiro emprestado. 

Na sala da casa de Eurico, tem uma estátua de Santo Antônio - de quem Eurico é devoto - e uma porca de madeira, que ele gosta muito dela (esconde dinheiro ali).

Caroba nota que Eudoro vai pedir Margarida em casamento e quer ganhar grana com isso, para casar com Pinhão e juntar Dodó e Margarida e Eudoro com Benona. 

Ideologicamente, temos o plano da alienação estabelecido através de uma comédia de erros que mais distorce a realidade do que a analisa ou quer mudança do status quo.

Eudoro, viúvo, azara Margarida, jovem; Benona está querendo Eudoro, fazendeiro; Margarida anseia por Dodó, a quem ama; Caroba e Pinhão se amam. Já Euricão pensa na porca, e na proteção de Santo Antônio.

Santa alienação reforçada!

     Caroba quer dinheiro de Eurico e arma tudo para tirar vinte contos de Eudoro Vicente, que quer tirar dinheiro de Eurico. Caroba diz a Benona que Eudoro vai pedir a mão dela e diz que vai ajudá-la. 

Que complicação: Ariano já levou a platéia no bico a esta altura. Com seu traquejado discurso de mestre das letras. Notamos aqui influências da comédia dell´arte, de Molière, e claro dos romanos antigos (Plauto e Terêncio), além da cultura popular nordestina.

Eurico vai pedir vinte contos a Eudoro (para o casamento, sabemos que será para um jantar); Coroba vai convencer Benona de que Eudoro irá pedi-la em casamento; Eudoro tem que acreditar que pede Margarida; Eurico deve crer que Eudoro pede Benona; Coroba vai forjar um encontro entre Margarida e Eudoro (no escuro) fingir ser  Margarida, com o vestido dela. Dodó vai ficar com ciúme de Margarida, pensando no encontro com Eudoro; Pinhão sente ciúme de Caroba pois sabe que ela vai no lugar de Margarida; Euricão pensa que querem roubar sua porca com dinheiro. Pinhão não confia em Eurico.

Caroba tranca Margarida no quarto, pede a Benona para ficar também no seu e sai, vestida de Margarida, para receber o Eudoro. Dodó ao olhar Caroba pensa ser Margarida, por causa do vestido dela. 

A confusão está pronta e só vai se enrolar mais e mais até o final que é puro teatrão.

Pinhão ao ver Caroba pensa ser Benona e vai seduzi-la. Ela reage e bate em Pinhão e o manda esperar por Caroba, esta tira a roupa de Benona e bate em Pinhão. Parece mamulengo - o povão adora!  Aí começa o abrir e fechar de portas e show de surpresas.

Eurico saiu para enterrar sua porca recheada dentro do cemitério. Dodó refere-se a Margarida, Eurico fala da porca desaparecida. Eurico pensa que o rapaz pegou a porca e diz que a porca estava cheia de dinheiro poupado há muitos anos.

Na briga, Pinhão e Caroba vem de um quarto, Eudoro e Benona do outro. Os três casais estão juntos e felizes e Euricão chora a perda da porca. Caroba faz os casais se entenderem sem Euricão nem Eudoro perceberem o engano de que foram vitimas. Aqui pensamos nas comédias de Shakespeare.

 Margarida pensa que Pinhão pegou a porca. Eurico o agride e ele desabafa, mas antes exige vinte contos para dizer onde ocultou a porca, são os tais vinte contos que Eurico conseguiu emprestados do Eudoro junto com a safada da Caroba. Aí mostra a porca que estava na casa e ninguém viu.

É o bom Suassuna botando pra liquidificar no mesmo copo religião (uma fé meio levada ao ridículo) e dinheiro (desigualdade, opressão social). O próprio título já sugere o grotesco: o santo une-se à porca. Resultado: ficam os dois com o rabo preso: leitor/ espectador e autor (ideologicamente falando, é claro).

No final sabemos, e Eudoro faz o Eurico saber, que aquele dinheiro era velho e não tinha mais valor nenhum. Eurico fica atônito e todos vão falar que dinheiro não é tudo na vida, mas ele manda todos às favas e fica sozinho, com a tal porca e com o Santo Antoniozinho dele, pensando em todo o quiprocó em que se meteu.

Moisés Neto 


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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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