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Primeiras Estórias: Contos de Guimarães Rosa por Moisés Neto
As narrativas partem de causos para o mágico em meio a vários temas tendo como cenário o campo (MG), fazendas, montanhas e comunidades. Os assuntos são pouco comuns e o narrador tem um pouco de filósofo.
Cada conto (estória) vem carregado de mitos e símbolos misturados com a criativa doidice dos marginalizados ali retratados. Excluídos que aparecem como poesia frente diante dos poderosos. Personagens cheios de uma aura mística ou metafísica; a loucura, violência e coragem. A infância, a percepção delicada do mundo, o amor. Em Famigerado vemos um farmacêutico, narrando a história, receber a visita de um pistoleiro com seus capangas, a perguntar a ele o significado da palavra famigerado. (Damázio Siqueira ouviu a palavra "famigerado" de um funcionário do governo e vai procurar o tal farmacêutico, pessoa letrada do lugar, para saber se tal termo era um insulto contra ele). A Terceira Margem do Rio é narrado pelo filho que conta a estória de um pai, o qual abandonou a família e os amigos para viver numa canoa. O tal filho procura entender a atitude do pai. Temos aqui o significado metafísico deste rio (passagem, travessia, buscar a terceira margem, o essencial) em travessia metafísica buscando o auto-conhecimento. Com os cabelos brancos e cheio de culpa, ele vai substituir o pai na tal canoa O pai faz gesto de se aproximar, ele se apavora e foge, para viver o resto de seus dias pensando na sua covardia. O Espelho é mais um experimentalismo narrativo onde a percepção e a imaginação usam este símbolo como forma de esclarecer suas perguntas sobre essência e aparência, entre outras coisas. Este conjunto de estórias (oposição ao termo história) designa algo mais próximo da invenção, ficção. Vemos então o psicológico, o fantástico, o autobiográfico, o anedótico, o satírico, o trágico, o patético, o lírico, o sarcástico, o erudito, o popular, o cotidiano, o amor que se pode ter pelas coisas da terra, o homem simples, o mistério da vida. Guimarães pode nos parecer um autor deslumbrado com a paisagem natural e/ou recriada de Minas Gerais. Em As margens da alegria, um garoto vai descobrindo a vida, em ciclos alternados de alegria (viagem de avião, deslumbra-se com a flora, a fauna) e tristeza (morte de um peru ou derrubada de uma árvore). Em Sorôco, sua mãe, sua filha, há um trem que aguarda a chegada da mãe e da filha de Sorôco, para conduzi-las a um hospício de Barbacena (MG). Durante o caminho até uma estação, levadas por Sorôco, elas começam surpreendentemente uma estranha música. Quando o trem parte, Sorôco volta à casa cantando a mesma canção, e os amigos da cidadezinha, estranhamente, cantam junto. A menina de lá: Nhinhinha possuía alguns dotes paranormais e os seus desejos, estranhos, se realizavam. Perdidos no interior, os parentes dela guardavam segredo o fenômeno, para dele tirar proveito. O que a menina dizia era premonição: por exemplo, o pai reclamou da seca e ela desejou um arco-íris, que se fez no céu, depois de inesperada chuva. E ela pede um caixãozinho cor-de-rosa com enfeites brilhantes: ninguém percebe, mas ela queria morrer... Já em Os irmãos Dagobé, Damastor Dagobé ridiculariza Liojorge e é morto por ele. No arraial, todos dão como certa a vingança dos outros Dagobé: Doricão, Dismundo e Derval. Esperando a revanche, Liojorge diz que quer participar do enterro de Damastor. Os irmãos da vítima concordam e justificam a intenção de Liojorge, dizendo que Damastor teve o fim merecido Pirlimpsiquice: estudantes ensaiam um drama para apresentar em festa do colégio. No dia há um imprevisto: um dos atores é obrigado a faltar. Como não podiam adiar a representação, os jovens improvisam uma comédia e platéia gosta. Em Nenhum, nenhuma, temos uma criança que (sonho ou realidade?) passa férias numa fazenda, em companhia de um casal de noivos, de um homem triste e de uma velha senhora, de quem a noiva dele cuidava. Há um rompimento do noivado. O menino observando tudo atentamente volta para a casa paterna e lá chegando percebe que os pais apenas se suportavam mas não sabiam o que era o Amor. O menino agora sabia: aquilo era conveniência. No conto Fatalidade, Zé Centeralfe vai até o delegado de uma cidadezinha reclamar que Herculinão Socó vivia se insinuando para a sua esposa. A situação estava insuportável e o casal mudara de arraial, mas o Herculinão foi até lá. O delegado ouve a queixa, procura o mencionado encrenqueiro e, sem hesitar, mata o homem, dizendo que isso foi necessário, em nome da paz e da harmonia do universo (!). O conto Seqüência: uma vaca foge e um vaqueiro persegue-a; logo descobrimos que havia outro motivo para a determinação do moço: a filha do fazendeiro, com quem o rapaz se casa. Na estória Nada e a nossa condição: com a morte da esposa e o casamento das filhas, o fazendeiro Tio Man'Antônio descobre-se envelhecido e só. Decide então vender o gado e distribuir o dinheiro entre as filhas e genros. Depois divide a fazenda em lotes e os distribui entre com os que trabalhavam lá. No seu testamento tem uma condição que só deveria ser revelada quando ele morresse. Quando ele morre, os empregados botam o corpo numa mesa da sala e incendeiam a casa: esta cerimônia de cremação era o seu desejo secreto. Guimarães extrai disso poesia e sabedoria. O cavalo que bebia cerveja: Giovânio, um velho italiano de hábitos esquisitos, comia caramujo e dava cerveja para cavalo. Isso chama a atenção do delegado e dos funcionários do Consulado, que convocam um empregado da chácara do "seo Giovânio", Reivalino, para uma investigação. Percebendo que o empregado era curioso, o italiano abre sua casa pra ele e para o delegado: lá havia um cavalo branco empalhado. Na sala, ao chão, estava o corpo de seu irmão Josepe, desfigurado pela guerra. Só Reivalino o vê e é incumbido de enterrá-lo, conforme a tradição cristã. Com isso, afeiçoa-se cada vez mais ao patrão, a ponto de ser nomeado seu herdeiro quando o velho morrer. Em Um moço muito branco, o pessoal de Serro Frio, em uma noite de novembro do ano 1872, teve a impressão de que um disco voador atravessara o céu, depois de um terremoto. Em seguida, apareceu na fazenda de Hilário Cordeiro um moço muito branco, portando roupas pobres e um jeito de anjo, de ser superior, capaz de milagres. Hilário Cordeiro, o fazendeiro que o abrigou, melhorou de vida. O jovem desaparece do mesmo modo que chegou: misteriosamente. Luas-de-mel: Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza receberam em sua fazenda um casal de fugitivos, muito apaixonados um pelo outro mas um amor proibido. Os capangas do pai da moça poderiam pegar os dois, todos se preparam para um enfrentamento: a casa da fazenda transforma-se numa espécie de forte e é nesse clima que se celebra o casamento dos jovens, a que se segue a lua-de-mel, e os anfitriões, já de idade, sentem seu amor reavivado e têm uma noite intensa de paixão. No dia seguinte chega o irmão da moça e dá uma solução boa para o problema. Em Partida do audaz navegante, quatro crianças - três irmãs e um primo - estão brincando em casa, esperando a chuva passar quando a menor delas, Brejeirinha, começa a brincar com as palavras, inventando uma estória que lembra Simbad, o marujo, e todos vão brincar no quintal, à beira de um riacho. Liberando sua fantasia, até excremento de boi vira elemento para a tal brincadeira. A benfazeja: Mula-Marmela era a esposa de Mumbungo, homem perverso que gostava de ver o sangue das suas vítimas. Ele tinha um filho, Retrupé, cujo prazer só diferia do dele quanto à faixa etária das vítimas: preferia as mais jovens. Haja sangue! A esposa não hesita em matá-lo e depois cegar Retrupé, de quem se torna guia. Depois resolve matá-lo, ao perceber que este seria o único jeito de refrear o instinto de lobisomem do rapaz. Em Darandina, um homem bem-vestido rouba uma caneta, é flagrado e, para fugir dos que o perseguem, escala uma palmeira. Muitos o seguem e as autoridades procuram convencer o rapaz a descer. Ele não quer e tira toda a roupa, revelando notável equilíbrio físico, mas começa a dizer coisas sem sentido. Um médico faz uma tentativa de diálogo. Ao se aproximar percebe que o sujeito voltou ao normal pedindo socorro. O povo não aceita e quer linchá-lo. O homem grita pela liberdade e a multidão o trata, repentinamente, como herói. Em Substância, o fazendeiro Sionésio apaixona-se por sua empregada Maria Exita, abandonada pela família e criada pela peneireira Nhatiaga. Maria quebrava polvilho, trabalho duro mas feito com prazer e competência. Mesmo ela sendo pobre, Sionésio sente que a paixão é maior que o preconceito e pede-a em casamento. Tarantão, meu patrão: novamente um fazendeiro, João-de-Barros-Dinis-Robertes, sente-se viril mesmo em sua velhice. Como se fosse um Dom Quixote meio caduco, determina-se a assassinar o seu médico: Magrinho, seu sobrinho-neto. Na viagem à cidade, ele contrata um bando de desocupados, ciganos e jagunços, que aceitam o que o velho quer. Chegando na cidade, Tarantão percebe que era dia de festa e que uma das filhas de Magrinho estava aniversariando. O velho discursa e diz que seu carinho pela família é o mesmo que sente pelos novos amigos que conseguiu nesta sua última cavalgada. Em Os cimos, o menino da estória As margens da alegria revela agora sofrer por causa da doença de sua mãe e ele volta à casa do pai. Seus últimos dias de férias são marcados pela preocupação. Ele só se sentia menos tenso quando via, todas as manhãs, um tucano aproximar-se da casa onde estava hospedado. A beleza da ave dava ao menino energia para suportar e passar à mãe uma carga de fluidos mentais positivos, na intenção de fazê-la curar-se da doença. Quando o tio diz que a mãe dele melhorou, o menino experimenta momentos de estranho prazer pois só ele sabia o motivo verdadeiro da melhora. voltar ao menu de estudos literários |
Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco). |