O Fiel e a Pedra
                                       
romance do pernambucano Osman Lins
pesquisa dos alunos, clipagem do professor Moisés Neto


O Fiel e a Pedra foi publicado no Rio de Janeiro e premiado pela União Brasileira de Escritores. Como ocorreu com os livros de Osman Lins publicados anteriormente, esse romance foi muito bem recebido pela crítica, sensibilizada pelo fato de o autor desbravar caminho próprio na tradição do romance regionalista do nordeste, afastando-se do recurso ao pitoresco, à cor local, ao folclore e à sensualidade e realizando-se no registro do romance ético e épico. Com O fiel e a pedra Osman Lins mostrou-se capaz de rivalizar com os melhores escritores da geração anterior.

O ano de 1961 é um marco na biografia de Osman Lins, no sentido de que o solo de seu trabalho literário, intelectual e cultural que vinha sendo semeado e regado pacientemente e a duras penas dá frutos viçosos, não só pelo reconhecimento de suas qualidades, mas também por atingir público mais amplo.

A partir de então, o ficcionista não precisará mais se submeter a concursos, embora, como dramaturgo, Osman Lins venha a ser ainda agraciado com prêmios (em 1965, dois lhe são conferidos : Anchieta, da Comissão Estadual de Teatro, de São Paulo, pela peça Guerra do cansa-cavalo, que seria publicada dois anos depois e que, em 1971, inauguraria o Teatro Municipal de Santo André); Narizinho, também , da Comissão Estadual de Teatro, pela peça infantil Capa Verde e o Natal.

Referindo-se a O Fiel e a Pedra, Osman Lins diz que este romance corresponde a uma “plataforma de chegada e de saída”, encerrando uma fase de sua ficção em termos tradicionais. Essa mesma expressão pode ser aplicada para o ano de 1961, a partir de uma visão global de sua biografia.

Meu pai, descendente de senhores cujas terras, dizem, iam do Cabo de Santo Agostinho até bem perto do Rio Real, na fronteira das Alagoas, tinha uma pequena alfaiataria. Alfaiate é uma bonita profissão. Quase toda profissão manual é muito bonita. Só que, em geral, dá menos dinheiro que a de senhor de engenho. Esse homem desposou uma mulher que não cheguei a conhecer e que veio ao mundo, parece, com único encargo de ser a minha mãe. Cumprida essa tarefa, morreu, um ano depois de casada. Coisa estúpida. Sempre achei que isso me dava uma espécie de responsabilidade. Morreu aquela garota para que eu nascesse. Não podia fazer de minha vida uma trouxa, um papel servido, jogá-la por aí. Nunca vi um retrato seu - ela não gostava de fotografias, embora conste que fosse bonita. Parece que o fato me marcou. O tema aparece em O Fiel e a Pedra, em Nove, Novena (na história "Perdidos e Achados") e o herói de Avalovara anda pelo mundo feito um doido, buscando o que não perdeu.

A solidão e a estreiteza dos meus primeiros anos, atenuados pelas presenças de Laura, irmã de meu pai (que é, transfigurada, a Teresa de O Fiel e a Pedra), e da minha avó paterna, Joana Carolina, cuja vida agreste e, por assim dizer, simbólica, narrei em outro livro, foram ainda compensadas pela presença de um homem como não houve muitos no mundo: Antônio Figueiredo. Para quem não o conheceu, isto é apenas um nome. Para mim, é tudo o que pode sonhar o coração de um menino. Lá está ele, transformado, também em O Fiel e a Pedra, com o nome de Bernardo Vieira Cedro, vivendo aventuras muito semelhantes a algumas que enfrentou realmente. Vivia contando histórias. Foi ele o meu primeiro livro, meu iniciador na arte de narrar, assim como a velha Totônia foi a primeira influência literária do José Lins do Rego.

O Fiel e a Pedra começou como novela e depois virou um romance. Como e quando você determina o gênero? Poderia definir o que é o conto, a novela e o romance? É razoável persistir o gênero literário na literatura contemporânea?

Devemos conceder maior amplitude à pergunta que leva a essa controvertida questão de gêneros, indagando, por exemplo, o que se entende por ficção. Que devemos entender por ficção? Acho ser a fixação, através da palavra escrita, e com ênfase na aparência das coisas, pelo autor decompostas e reorganizadas, de uma visão pessoal do mundo, não raro absurda e quase sempre insólita, que no entanto se confunde, sob a pressão do gênio do escritor, com o universo onde todos habitamos. A designação do gênero me parece acadêmica, não importa. E as existentes nem sempre satisfazem. Designei os trabalhos de Nove, Novena, por exemplo, como narrativas.

Parece que a sua obra está dividida em duas fases: a primeira, até O Fiel e a Pedra, e a segunda, iniciando com Nove, Novena, onde a estrutura, a arquitetura do romance, passaria a ser sua preocupação primordial. Você concorda?

O sentido não é esse. Há uma coisa engraçada. A trajetória verdadeira de um indivíduo, de um artista, de um escritor, quando é exercida superficialmente, se esclarece à primeira vista. O autor dá uma direção declarada ao que ele faz, e essa direção é oferecida facilmente aos contempladores. Quando essa atividade é exercida de maneira mais profunda, ela pode provocar uma compreensão exatamente inversa.

O Fiel e a Pedra representa o ponto para o qual converge tudo o que fiz antes e o ponto de onde parte o que vim a fazer depois. É uma plataforma de chegada e de saída, mas num terreno bem mais amplo que apenas o estrutural. Trata-se da travessia, como escritor e como homem de um limite ficcional e político. Meus livros anteriores a Nove, Novena realmente estão mais distantes dos outros no tratamento e na visão geral das coisas. Acontece, porem, que Nove, Novena, em absoluto, não os nega. Ao contrário, através daqueles livros, daquela plataforma, caminhei para Nove, Novena e para as obras que o sucederam, acompanhando minha própria trajetória no mundo, minhas buscas, minhas conquistas. Podemos ver, por exemplo, que em O Visitante o mundo exterior quase não existia, enquanto que em Nove, Novena quase só existe o mundo exterior. É uma contradição? Não. Caminhei da interiorização de O Visitante, através de O Fiel e a Pedra, para a exteriorização, a plasticidade de Nove, Novena. E é natural que assim fosse. Só com a maturidade adquire o ficcionista a coragem para olhar de face o mundo exterior, as coisas materiais, o concreto. Escrito, quando eu chegava aos quarenta anos, Nove, Novena exprime de um modo claro o momento dessa conquista, a travessia daquele limiar. Em O FieI e a Pedra temos um problema de afirmação pessoal (um homem de classe média enfrentando um senhor de terras).

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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