Ivana Moura revê Osman Lins
                                       
por Moisés Neto

Se quiser ser escritor não fique aqui no Recife
Osman Lins

Ivana Moura, jornalista e crítica teatral do Diário de Pernambuco desde 1989, lançou o livro Osman Lins: o Matemático da Prosa, pela coleção Malungo (Recife: FCCR, 2003. 114 p.), obra na qual Osman reaparece para seus contemporâneos. Moura teve pouco mais de dois meses para elaborar esse trabalho, que define como “um livro que se vale da memória afetiva de várias pessoas”.

Mais informativo do que crítico, O Matemático da Prosa é dividido em cinco partes: na primeira, “Tempo de Plantar”, a autora aborda a infância e adolescência de Lins em Vitória (PE): “Eu queria deixar minha casa, minha avó (...) estava farto de ser vigiado, contemplado, querido” (p17). Sua mãe morreu quinze dias depois do seu nascimento. Houve complicações no parto. Não sobrou nenhuma foto dela. Ele não teve festinhas de aniversário, destaca Ivana, que em certas partes do seu texto usa táticas de investigação psicológica, mas ao modo tradicional do jornalismo: com distanciamento. Osman foi criado entregue a si mesmo. Uma figura que a autora destaca é a do tio, Antônio Figueiredo: tocava violão, contava história, fazia repente... “era profeta”, fazia “garrafadas”, está representado em O Fiel e a Pedra, na figura de Bernardo Vieira de Cedro( p 30). Sobre seus modos podemos anotar: “Osman era refinado a ponto de calçar os sapatos na hora de almoçar” (p 31).

Na segunda parte, “Arma Literária”, Ivana ressalta o depoimento do escritor pernambucano Gilvan Lemos: “O leitor brasileiro tem preguiça de pensar e gosta de ler coisas bem fáceis, bem claras. A literatura de Osman apresenta certa dificuldade, porque ele usa muitos signos, muitas coisas inventadas. Então por isso, ele talvez não tenha adquirido popularidade” (p 35). “Atuamos numa sociedade em que o conjunto é hostil ou indiferente ao nosso trabalho”, disse Osman, que queria ternura, reconhecimento.

A perspicácia da Moura está, dentre outras coisas, na concatenação das idéias e numa escrita ágil e implacável. É rápida no gatilho ao selecionar depoimentos e segue uma ordem interior que rompe com a linearidade e esmiúça detalhes que assim vão se tornando imprescindíveis. Por exemplo: quando relembra que certa vez o avião em que Osman viajava ia caindo e ele não pensou na família nem nos amigos, somente isso: “Este avião não pode cair, porque eu ainda não terminei meu livro!”. E aqui a autora ressalta: a literatura “estava acima dele mesmo” (p 40).

Na terceira parte, “O Teatro de Osman Lins”, a autora dá relevo a opinião de Lins sobre a própria dramaturgia: “Escrevo para teatro como escrevo poesia, isto é, sem considerar-me rigorosamente um dramaturgo ou um poeta” (p 48).E sobre como os outros viam suas peças Ivana exibe o depoimento de Pedro Bloch, sobre Lisbela: “Teatro normal, compreensível, humano, cheio de verdade e beleza (...) Nordeste com simplicidade adorável de sua gente, costumes regionais pitorescos, linguajar curioso”(p 45). Como o livro é menos crítico e mais expositivo, o texto ensina para neófitos que antes de escrever Lisbela, Osman escrevera O Vale do Sol, Os Animais Enjaulados e O Cão do Segundo Livro. Em 1963 é encenada A Idade dos Homens. Entre 1969 e 1970 há outras peças como Mistérios das Figuras de Barro, Auto do Salão do Automóvel e Romance dos Três Soldados de Herodes (peças em um ato).Inclui depoimentos “inéditos” como o de José Pimentel, encenador em Recife, que dirigiu o “Auto do Salão...” e o autor não gostou. Ivana entrevistou Pimentel que também reclamou da tentativa de “intromissão” de Osman, na sua direção (p 72).

Na penúltima parte do livro, “Sagração da Palavra”, mais curiosidades: a autora revela que Osman torcia pelo Clube Náutico Capibaribe, do Recife, e decepcionou-se a ponto de nunca mais torcer por time nenhum; nem pela seleção brasileira. Comenta também a separação no primeiro casamento que gerou suas três filhas. A separação é atribuída ao fato da primeira mulher não incentivá-lo como escritor. Osman também dizia que sua obra reflete em parte “revolta dos filhos contra seus pais (...) e representa metafísica e método” (p 81).

Na quinta e última parte, “Cerimônia do Adeus”, Ivana Moura reproduz o depoimento de uma filha de Osman, Ângela: “papai morreu de câncer”, ele voltou em sonho e avisou a filha que ela devia se tratar do mesmo mal. Ela salvou-se assim. Já a pesquisadora Leda Alves, viúva de Hermilo Borba Filho, escritor amigo de Osman, declara para Ivana que: “Osman passava muito tempo lendo e se dilacerando com uma palavra” (p 86). Osman morreu no dia do aniversário de Hermilo.

E La Moura conclui seu texto citando Marcel Proust: "Só há uma maneira do artista servir à sua pátria: sendo essencialmente artista”. E o que passa nesta obra é que Osman assumiu esta postura.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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