HERMILO BORBA FILHO
                                       
por Moisés Neto

Um dos mais importantes intelectuais pernambucanos, o escritor e encenador Hermilo Borba Filho foi o criador do Teatro de Estudante de Pernambuco e do Teatro Popular do Nordeste.
Em 1932, na cidade de Palmares, interior de Pernambuco, ele começou como ponto, depois foi promovido a ator. Em 36, conheceu Samuel Campelo em Recife, diretor do grupo Gente Nossa. Engajou-se como técnico. As peças eram influenciadas pelo estilo francês e falavam dos costumes cariocas. O teatro de boulevar.
Em 1940 morre Campelo e Waldemar de Oliveira funda o TAP, Teatro de Amadores de Pernambuco. Hermilo traduz peças para a companhia. O estilo era o francês do início do século.
Na Semana da Arte Popular em Recife, em 1945, ao lado de Gilberto Freyre, Hermilo proferiu a Conferência “Teatro, Arte do Povo”, ali começava um novo projeto, um grupo ligado à redemocratização do Brasil, um teatro político.
Aquela era uma época de crise. Luca Cardoso Ayres desenhou os cenários da 1ª peça que foi apresentada em cima das mesas da Biblioteca da Faculdade de Direito. Houve até vaia, mas foi um mesmo, era o início. Representou-se de tudo, mas valorizou-se o autor nacional e principalmente o nordestino. Leva teatro ao povo. Já surgiu Ariano Suassuna.
Inspirada no grupo de teatro do espanhol Garcia Lorca foi construída uma barraca no Parque 13 de Maio (Recife) e montada a peça “Cantam as Harpas do Sião”, de Suassuna e outros. Apresentaram-se, com outros espetáculos, em hospitais, fábricas, presídios. Sófocles, Shakespeare, Ibsen, faziam parte do repertório.
Em 1952 Hermilo vai para São Paulo e o Teatro de Estudantes dá uma parada.
Hermilo escreveu as peças “João sem terra”, “A barca de ouro” e “Electra no Circo”, “Donzela Joana”, “Sobrados e mocambos” (baseada em Gilberto Freyre). Mas seu objetivo era ser diretor e romancista.
Sua primeira experiência foi dirigindo “Fruto proibido”, de Oduvaldo Viana.
Como jornalista foi crítico do jornal Última Hora e da revista Visão e teve acesso aos bastidores de companhias nacionais e internacionais. Dono de enorme biblioteca, teve que se desfazer dela por falta de dinheiro.
Lançou em São Paulo “O auto da compadecida”, com sucesso e dirigiu Sérgio Cardoso em o “Casamento Suspeitoso”, ambas de Suassuna. Adaptou “A Dama das Camélias”, para Dercy Gonçalves.
Voltou para Recife e fundou o Teatro Popular do Nordeste e o Teatro de Arena, com peças de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, dentre outros. Trabalhou ao lado de José Carlos Cavalcanti Borges, Gastão de Holanda, Aldomar Conrado, Leda Alves e Capiba.
Representou-se “A Mandrágora”, de Maquiavel, no Teatro do Parque, com 1200 lugares e somente seis espectadores!
Depois Hermilo Borba Filho começou a trabalhar com encenações na linha de Brecht, mesclando-o com bumba-meu-boi, pastoril e outros folguedos do nordeste. Embora Dias Gomes, Osman Lins. Enfrentou o semi-profissionalismo, atores tinham outras ocupações para ganhar dinheiro. Em 1971, Recife tinha cerca de um milhão de habitantes, ao 0,5% ia ao teatro. O preço não importava. Nem o operário nem o estudante, ninguém quase se interessava por isso, Hermilo tentou até divulgar em escolas.
Através do SESI e do SESC fizemos convênios, mas os operários, que trabalhavam o dia inteiro, estranhavam o ingresso gratuito e só queria saber de futebol. O que salvou o Teatro Popular do Nordeste (TPN) foi o auxílio do Serviço Nacional do Teatro (SNT).
Ao trabalhar com o pastoril, Hermilo viu quanta semelhança havia com este o teatro de Calderón de La Barca, do Século de Ouro Espanhol. Para ele, nosso pastoril veio de linha do auto sacramental e caiu no profano porque o público começou a gostar. Como na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, que começou a abrir concessões para atrair mais público. O velho do pastoril é o diabo das farsas medievais. Aos puristas que diziam que o folclore estava se degradando ao evoluir, Hermilo Borba Filho respondia que não: “O brinquedo é do povo, o povo faz dele o que bem quiser. Não são os intelectuais os donos do brinquedo. Vi um mamulengo em Surubim (PE) em que um personagem carregava uma miniatura de garrafa de Coca-Cola nas costas. É direito dele misturar Cristo com bumba-meu-boi, o que é que tem? O animal acompanhou Cristo na manjedoura.”
Hoje são poucos os espetáculos populares que sobreviveram como o Fandango, que conta as epopéias marinhas portuguesas. Eu não agüento, aquilo dura a noite toda. Não há quem agüente”.
Hermilo preferia algo mais picante, como os personagens de comédia dell’ arte e os de Moliére, que lembram o Dr. Pinico do bumba-meu-boi, que vem ressuscitar o bicho. “A origem é erudita”, dizia Hermilo.
Hemilo Borba Filho renovou o teatro brasileiro, seu desprezo por nossas raízes folclóricas, como o bumba-meu-boi e o mamulengo. Filho de ateu tratou a religiosidade com respeito: “tenho de limpar terrenos e afastar ao máximo todas as tentações. É através da carne, sobretudo da libidinagem, que o demônio nos acompanha. Vade retro, Satanas! Não se brinca com Deus. O que tenho feito é encher a minha alma de carne. Todo dia é dia de conversão. Nem catolicismo ainda é meu deleite e não amor. Ontem ouvi um suflar de asas terrível que me deixou em pânico. Seria um anjo? Pensei. Mas os anjos não causam pavor. E de repente, sem que nada me levasse a esta conclusão, pensei: ‘É o demônio. Ouvi o bater de suas asas de anjo caído”.
Muito se falou sobre a identificação de Hermilo Borba Filho com o romancista norte-americano Henry Miller, embora as circunstâncias exteriores e históricas de ambos sejam bem diversas, há pontos de convergência na obra dos dois. Hermilo era filho de senhor de engenho em decadência e inspirou-se no povo de Palmares, sua terra, para compor parte de sua obra.
Algo em comum entre os dois autores: a compulsão sexual, o erotismo, envolto em alegria e humor, natural, como comer e defecar: Voyeurismo, masturbação, sexos anal e oral, incesto, experiências sadomasoquistas e homossexuais. Ambos louvaram o sexo, lutaram pela destruição de preconceitos antigos. Usaram o “palavrão” e foram libertários.
O envolvimento de Hermilo Borba Filho com o Movimento de Cultura Popular (MCP) junto com Paulo Freire e sua simpatia pelo Partido Comunista e a Igreja Progressista, trouxeram-lhe algumas perseguições, do mesmo modo que Henry Miller teve que responder a alguns processos por pornografia, por exemplo.
Miller não expressava o coletivo em suas obras, Hermilo buscou exprimir solidariedade e aproximação com seu povo.
Hermilo Borba Filho nasceu em 8/ 7/ 1917 no Engenho Verde, município de Palmares, na Zona da Mata de Pernambuco, filho de Hermilo Borba Carvalho e Irinéia Portela. Em 35 escreveu “A Felicidade”, sua 1ª peça. Em 41 o primeiro conto: “As Pernas Daquela Moça”. Escreveu e dirige as peças “Parentes da ocasião” e “O Presidente da República” (1943), “Círculo Encantado”, “Vidas Cruzadas” e “Electra no Circo (1944), “João Sem Terra” (1947), “O Vento do Mundo”, “Cabra Cabriola” (1948), “A Barca de Ouro” (1949), “Os Bailarinos” e diálogos para o filme “O Canto do Mar”, de Alberto Cavalcanti (1951), “Três Cavalheiros a Rigor” (1953), “As Moscas” (1960), “O Bom Samaritano” (1965), “O Cabo Fanfarrão”, “A Donzela Joana” (1966).
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da UFPE (1950), publicou os romances “Caminho da Solidão” (57), “Sol das Almas (64), “A Porteira do Mundo” (da Tetralogia “Um Cavalheiro da Segunda Decadência” – 1967). Publicou ainda estudos, contos e novelas.
Morreu em 2/ 06/ 76, no Recife, ao lado do seu grande amor, a pesquisadora e atriz Leda Alves.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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