LITERATURA COMPARADA
                                       
por Moisés Neto

A) Onde começa a expressão Literatura Comparada (entre países, estilos e épocas): Séc. XIX – Compara estruturas com finalidade de extrair leis gerais. Em filosofia e fisiologia. [História Comparada dos Sistemas de Filosofia, de Degérand (1804) e Fisiologia Comparada (1833), de Blainville].

B) O termo “comparado” já fora utilizado em 1598 e no século XVII [“discurso comparado de nossos poetas ingleses com os poetas greco-latinos” de Frances Meres (1598) e Fulbeck “Um discurso comparado das leis” (1602) e John Gregory (em Anatomia).

C) Em 1816 surge o Curso de Literatura Comparada. Villemain em 1829 usa o termo, mas Ampère o divulga mais (via Sainte-Beuve)

D) Primeira cátedra em Lyon (1887) e Sorbonne (1910).

E) Na Alemanha (1887 – 1910): Periódico da disciplina comparativista.

F) Nos EUA: 1809 e em Portugal Teófilo Braga foi precursor e na Alemanha Madame de Stäel (1800), “Da literatura considerada em suas relações com as instituições sociais”.

G) “Literatura Comparada” ou “Literatura Geral”? (ou “mundial”, Goethe usou este termo, para diferenciar de literatura nacional. Seria a integração das literaturas entre si), “corrigindo-se” umas às outras.

H) Imitações e Empréstimos? (Por exemplo: influência de Goethe na França, Taine na Inglaterra).

I) Nos EUA aprimoraram-se estudos comparados dentro de uma única literatura, coisa que os franceses rejeitavam.

J) França, 1931 – Paul Van Tieghem: caráter mais analítico. Afirma que os estudos de literatura comparada (binários) seriam como “análise preparatória” aos trabalhos de “literatura geral”, esta mais “sintética” e a primeira mais “analítica”. Ele preparava uma história da Literatura Internacional (literatura comparada como subsídio).

K) Jean-Marie Carré (francês) afirmou: “Literatura Comparada é um ramo da história literária, relações entre nações, entre obras e vidas de escritores. Obras não no seu valor original mas com as transformações que cada nação, cada autor impõe a seus empréstimos”. (Goethe e Carlyle)

L) No Brasil, 1964, o professor Tasso de Oliveira argumentou: Em Literatura Comparada verifica-se a filiação de uma obra, autor/movimento de um país aos de outros países. Vemos que ele segue orientações francesas, aproximando-se do binarismo e da constituição de “famílias literárias”. O comparativista seria um caçador de indícios. Um objetivo, como percebemos, ainda muito restrito. Já João Ribeiro em 1905 sugeriu comparar a literatura popular com a erudita e Augusto Meyer estudou “temas e fontes”. Sem confundir semelhança com dependência.

M) Machado, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, no capítulo do “delírio”, sugere um “quimismo” próximo da visão antropofágica de Oswald de Andrade que alargou as fronteiras da imitação, adaptação, assimilação e originalidade. “Todas as sugestões depois de misturadas, preparam-se para nova mastigação, complicado quimismo em que já não é possível distinguir o organismo assimilador das matérias assimiladas.”

N) O francês Marius-François Guynard chega a usar Montaigne como eixo para comparar Racine a Shakespeare, ou ainda estudar a interpretação de um país pela imagem que fazem dele no estrangeiro (“trocas literárias internacionais”), buscava-se mais a semelhança do que eventuais diferenças. Em 1963 e 1974 Etiemble, sucessor de Carré na Sorbonne, renova conceitos ao combater eurocentrismo e defende a “interdependência universal das nações” (Marx).

O) René Wellek em 1958 manifesta-se contra os estéreis paralelismos, resultados de caça às semelhanças. Ele inspira-se no formalismo russo e pede menos dados externos nas análises. Recusa-se a distinguir literatura contemporânea da literatura do passado (postura anti-historicista) e aceita estudos comparados no interior de uma só literatura.

P) O Tcheco Dionys Durisin em 1972, apoiado no estruturalismo de Praga, substituiu o termo “influência” por tipo/estratégia dentro dos sistemas e subsistemas literários proporcionadores de “transformações”, diferente da maneira mecânica e casual dos exames anteriores de exportação e importação literárias. [Durisin deixa de lado a relação entre autores para ocupar-se com aspectos formais (relação entre textos)]. Procurou mais fatos análogos do que diferenças. O texto é o objeto central das preocupações, quando antes imperavam o historicismo e a figura do autor.

Q) As relações que a literatura mantém com outros sistemas semióticos: A inserção de um elemento em um novo sistema altera sua própria natureza e o faz exercer outra função (no novo contexto). A tradição aí, como sugere Tynianov, seria um processo conflituado de idas e voltas. Um texto é absorção e réplica a outro texto, diria Julia Kristeva, deslocando assim “o sentido de dívida antes tão enfatizado, obrigando a um tratamento diferente do problema” (CARVALHAL, 1986: 51), buscar-se-iam os motivos que geraram essas relações, o exame dos procedimentos efetuados e por que houve tal “resgate” em determinado contexto, que novo sentido lhe foi atribuído (Paródia, Paráfrase, etc.). Lembra-nos conceitos como “Pastiche”. Novamente Machado escreve: “idéias nem sempre conservam o nome do pai (...) cada um pega delas, verte-as como pode”, disse o mestre em “Esaú e Jacó”. Ler um texto é ler os textos que ele leu (não só literários).

R) Harold Bloom quis tratar da “angústia da influência” (1973) e desmitificar os procedimentos pelos quais um poeta ajuda a formar outros poetas (história da poesia = influências poéticas). Isso se dá em forma de “desleitura” em processo contínuo de desapropriação/apropriação. Cita a relação Édipo/Laio: correção, complemento, esvaziamento/ruptura, autopurgação, retorno. Não há vitória só a ânsia, cristalização do atrito, “males benéficos” que levam à evolução literária, nesse contexto sem ameaças aos originais. Eliot, em 1907, questiona a originalidade das obras (no ensaio “A tradição e o talento individual”). Não se herda tradição, conquista-se. “Não é possível valorizar [um autor] sozinho, é preciso situá-lo, por contraste ou comparação”, cada obra lê a tradição literária.

Já para Borges um texto recente poderia “realçar” um texto anterior, numa quebra de hierarquia “criando” seus “precursores”, modificando a concepção de passado e futuro, obrigando a uma releitura, onde o novo texto é que se converteria em ponto de referência fundamental. Neste sentido Gregório de Matos, Sousândrade e Oswald foram reavaliados nos anos 60. No seu conto “Pierre Menard, autor do Quixote”, Borges subverte deliberadamente as noções de cronologia e influência, como se o Quixote criado no século vinte fosse anterior ao original, numa livre circulação entre os textos e a leitura como uma reescrita interminável. Conceitos que interessam ao comparativista.
Jauss, no final dos anos 60, opinou que a obra não poderia ser mais vista como algo acabado a deslocar-se intocável no tempo e no espaço, mas como objeto mutável por efeito das leituras que a transformam, extrapolando o eixo autor-obra.

S) Há, como já vimos, migração de temas, motivos, personagens, como na obra de Lobato (intersemiose até: o gato Félix, Peter Pan e outros vão ao “Sítio do Pica Pau Amarelo”).

T) Será que estabelecida a analogia, instala-se o débito? Há, então, uma dependência/Dominação (Cultural)? O negro que escuta reggae na Nova Zelândia inclui-se nesta ótica? O rap no Manguebeat é estrangeirismo prejudicial (como sugeriu Suassuna)? Há aí uma ideologia colonizadora (abalando os sentimentos nacionais?) Será que não deveríamos valorizar mais a “diferença” do que a “dependência” (será que aquela não é o que nos permite uma inserção na universal)?

U) TRANSCULTURAÇÃO (transformação cultural por influência de outra cultura) como desierarquização, desconstrução. “Todo passado nos é ‘outro’ e deve ser negado. Vale dizer: merece ser comido, devorado”, sugeriu Haroldo de Campos (Colóquio das Letras, Lisboa: 1981). Isso acarreta em alteração. Assimilar o que convém, (caráter seletivo). A Europa também reescreve “escrever é remastigar”.

V) Entre o particular e o universal tem que haver dilaceramento (nesta identificação com o universal e a afirmação do particular)?

X) As contradições devem ser expostas (“Tupi tangendo alaúde”, “curupira usando tênis”) (“Nós somos também a civilização européia”, escreveu Mário de Andrade em “O Banquete” – uma crítica).
Antropofagia, traição ou corte radical, a dependência é inevitável? Não podemos negá-la, mas podemos expor sua força coerciva e exaltar o que de novo o mais recente texto traz. De “descolonizado” no sentido de resposta, de referencial até para o “colonizador”, entender nossa crítica.

Z) Os estudos literários comparados assim apontam para um terceiro espaço, tão comentado por Paul Gilroy, Édouard Glissant, Stuart Hall, Homi Bhabha, Sandra Nitrini e tantos outros, em reflexões que analisam o local, o nacional e o global e as questões da identidade e da outridade. Sob o ângulo da intertextualidade: singularidades e processos. Hoje o antigo binarismo francês encontra-se diante de várias encruzilhadas sócio-político-culturais, todas exigindo sentidos mais abrangentes. A essência do ser humano hoje e sempre em várias horas e lugares.

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CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Comparada. São Paulo, Ática, 1986.
NITRINI, Sandra. Literatura Comparada. São Paulo, EDUSP, 2000.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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