TEORIA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS
                                       
por Moisés Neto


•É questão complexa, pois exige classificação que vise ordenar a multiplicidade de fenômenos literários.

• Podemos estabelecer dois posicionamentos diante dos “gêneros”:

a) Encará-los em termos de pureza absoluta (como se fosse possível falar em manifestações puras da lírica, épica e dramática).
b) Considerar dispensável a classificação das obras literárias (em gêneros), julgando-a um artifício superado. Alguns autores, como Benedeto Croce, desencorajam todo tipo de crítica segundo regras em gêneros literários ou outras pré-suposições técnicas desta categoria. Propôs um reexame da questão. Aliás, os estudos literários sempre permitem novas abordagens.

• Vamos observar o seguinte: os textos que produzimos nas situações cotidianas de comunicação são os gêneros textuais ou discursivos (estilo e assunto – procedimentos de linguagem em bilhetes, cartas, artigos, email, quadrinhos, etc.). Já os textos (gêneros) literários (recursos de literatura) se dividem em dois grandes grupos: os textos em verso e os textos em prosa.

Convencionou-se: textos em versos são poemas.
Em linha reta ocupando todo o espaço da folha de papel (ou tela) organizados em parágrafos, capítulos, partes, temos o que chamamos prosa.

• Quanto às divisões de gêneros, vejamos três teorias:

1) Ainda hoje a obra “Arte Poética” de Aristóteles serve de referência. De acordo com esta concepção clássica haveria três divisões: Épico, Lírico e Dramático.

No Épico vemos um narrador geralmente contando de forma distanciada uma história sobre terceiros e pressupondo a presença de uma platéia/ouvinte. Geralmente são textos longos: aventuras, guerras, viagens, gestos heróicos, tom de exaltação, valorização de heróis e seus feitos. Uso do vocabulário culto.
Epopéia = (epos = verso) + (poieô = faço).
Hoje se chama épico um filme que trata da história de um povo e as modalidades de textos em forma de narrativa que se ligam ao épico hoje (não existiam na época de Aristóteles) são: o romance, a novela, o conto, a crônica.

No gênero lírico, a voz do autor nem sempre corresponde ao “eu lírico”, há o predomínio da função emotiva (ou expressiva: o emissor é o ponto em destaque) da linguagem (que também pode ocorrer na prosa, é claro). Hoje também se fala de lirismo em várias expressões da arte, ligando-o à emoção e à subjetividade. Este conceito (lírica) já foi citado por Horácio (65 a.C. – 8 a.C.) Aristóteles citou a poesia dramática e a poesia narrativa. Na Grécia antiga foram cantados, ao som da lira, os poemas de Safo, Píndaro e Anacreonte. Este celebrou o amor e o prazer em: “O universal beber” (gênero lírico):
“A terra bebe a chuva. A planta suga a terra.
O mar engole o rio. Sol absorve o mar.
E a lua absorve em si o resplendor solar...
Pois, se eu bebo também, por que me fazem guerra!”

Verso, estrofe (ou estância), métrica, ritmo, rima, aliteração, assonância, paronomásia (semelhança na forma ou som), paralelismo (repetição), são algumas definições que usamos ao tratar de poemas.

No gênero dramático, a palavra chave é ação e se faz na integração ator/texto/público.
• Existem muitas “novidades” na investigação dos fenômenos literários, mas falta a quase todos um rigor metodológico que rompa as regras aristotélicas. Uma divisão a mais ou a menos, o que importa?

2) O teórico René Wellek propôs a seguinte divisão de gêneros.

LITERATURA NARRATIVA: Ficção (romance, conto, épica), drama (em prosa, em verso) e poesia (antiga, lírica).
Como vemos, os gêneros estariam divididos em subgêneros e a poesia, ele a inclui na literatura narrativa e deixa o drama fora do tópico “ficção”. Propor divisões para enquadrar as obras literárias sempre gera novas dúvidas, imaginem agora na era da ciberliteratura.
O caminho mais seguro seria o exame das situações contextuais.

3) A divisão em ficção (épica, dramática) e lírica traz a idéia de simplicidade. Um conto de Guimarães Rosa seria uma ficção épica, uma peça de Shakespeare ficção dramática. A presença de personagens significa ação (práxis), a este texto poético chamaria-se ficção. Nestas obras o poeta deveria falar o menos possível por si, porque se o faz não é mimesis (representação). As obras literárias onde não encontrássemos personagens (seres agentes que representam) seriam incluídas na lírica.

• Como vimos as duas teorias (itens 2 e 3) dos gêneros literários, acima citadas continuam usando os termos antigos (épico, lírico e dramático) e remetendo-nos, de certa forma, a Aristóteles. A verdade é que não podemos encarar os gêneros como se fossem fôrmas para textos.

• Gênero (do latim genus-eris) significa origem, mas o que percebemos em alguns textos de hoje é uma mistura que rompe com diversos graus de “pureza” e exaltas as combinações.

• Depois do período clássico greco-romano, na idade média houve uma ruptura com a tradição clássica e os gêneros recebem “novos conteúdos”, como a poesia trovadoresca e suas “sistematizações rigorosas”. Na renascença há o resgate dos clássicos e no século XVII surge a briga entre “antigos” e “modernos”, posteriormente chamados “barrocos” com suas formas literárias inovadoras e na segunda metade do Séc. XVIII vem o romantismo que condena a classificação da literatura e exige liberdade de criação. Reconheciam os gêneros, embora preservassem de cada poeta o seu individualismo. Há então um hibridismo de gêneros, como na vida em que tudo se mistura: o belo – horrível, o riso-dor, grotesco – sublime. “Eurico o Presbítero”, segundo Alexandre Herculano, seria uma crônica-poema.

• No Séc. XIX veio o cientificismo que afirmou que o romance (evolucionismo dos gêneros) nasceu da epopéia, o drama romântico, da tragédia, a lira romântica, da eloqüência sagrada do Séc. XVII.

• Croce, italiano (1886-1952) recusou a sujeição da criação poética aos modelos, semelhanças teriam importância secundária. A história literária seria composta por monografias sobre grandes escritores, abandonando a idéia de gêneros, como sendo estes apenas “rótulos” que serviriam para a construção da história literária, social e cultural e não como critério de julgamento.

• Com o formalismo russo reintroduz-se a idéia de gêneros como fenômeno em mudança, sua dimensão seria histórica e os subordinaria às propriedades que transformavam um texto em obras literárias. Bakthin observou as expectativas do receptor e que os gêneros apresentariam mudanças em sintonia com a conjuntura social e os valores de cada cultura.


Roman Jakobson sugere que a função referencial é Épica (centrada na 3ª pessoa), na lírica teríamos a função emotiva (1ª pessoa) e na dramática a função conativa / apelativa (2ª pessoa).


Emil Staiger (1946) foge das classificações fechadas. Os três gêneros poderiam fundir-se numa só obra através de nuances.

Jauss e os estetas da recepção sugerem que a obra está vinculada a um conjunto de informações e a uma situação especial de apreensão, e, por isso, pertence a um gênero. Está ligada a conhecimentos prévios que conduziriam à sua leitura.

• Como vemos a teoria dos gêneros literários é tema controverso que exige flexibilidade nas análises. Observemos como cada traço se relaciona com outros na mesma obra e reconheçamos a predominância de um gênero, mas nunca para julgar o valor da obra a partir do mesmo.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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