JAUSS lê "Helena" de Machado de Assis: A Estética da Recepção
                                       
por Moisés Neto

A História da Literatura. Abordagem histórico-literária é cheia de problemas. A Teoria Literária também.

A história da literatura vem ordenando tendências e obras em seqüência cronológica. Biografias, conjunto da obra e passagens aleatórias. Mal chega a ser um esqueleto de história. É malvisto quem profira vereditos qualitativos sobre obras passadas, sobre as quais pede-se abstinência estética.

Devemos perguntar então se uma obra respondeu as perguntas de sua época (e quais) e às de hoje. Vamos a um exemplo: o romance “Helena”, do louvado Machado de Assis.

Qual seria a sua idéia fundamental? A que deveríamos nos curvar aos preceitos sociais mesmo quando eles são hipócritas.

Vejamos os personagens: O Padre Melchior é senhor absoluto das leis sociais (em 1876, época da publicação a questão com os Maçons (desde 1872 estava agitando o Império e com simpatia dos governantes. Dom Vital, em Pernambuco foi uma das vítimas deste jogo), Machado, quase anticlerical, endoça o poder da Igreja mais do que questiona. Ele obedece/ responde às expectativas de uma sociedade, colocando sua pena a serviço das ideologias dominantes (Classe média ascedente /aristocracia decadente). Sua guinada rumo ao positivismo auto-crítico só fez acentuar sua acomodação irônica.

II- A que perguntas Machado responderia hoje? Que é melhor render-se, escondendo-se atrás de um riso de intelectual da média, como equilibrista em requintado circo? Tentaria nos convencer que devemos aceitar as minorias? Não, diria o mestre do Cosme Velho: devemos somente retratá-las com malícia.

Helena é a personagem-problema: com dinheiro e insatisfeita pela sua origem (como Machado), preso às tradições, como num casulo – o Andaraí. (Andar aí...) em conflito com um pai irresponsável e omisso que Machado chama Salvador (!), com outro pai, o adotivo, e tendo como mãe a personagem secundária Ângela (anjo? A mãe/prostituta).

Mesmo se impusermos a “Helena” um processo de desideologização, Machado valorizava a ideologia burguesa, o que sobrará da mimese do autor nesta obra não corresponderá nem a contemplação histórica, que ele minimiza ou oculta, nem a estética (ele força o leitor a um determinado tipo de padrão de vida /gosto: o europeu positivista. Suas lacunas (em relação às lembranças dos motivos constitutivos da sociedade) são enormes neste livro, onde se ressalta uma tendência, de toda ultrapassada (o Romantismo, em 1876). Para tapar o sol com a peneira (sem posicionamento ideológico) Machado cita vários autores nos seus textos (Shakespeare, Goethe, Stern) e nesse sentido promove algo interessante que é uma dialética em formas, um encadeamento dinâmico.

III– JAUS, autor da teoria da Estética da Recepção na Alemanha dos anos 1960, quis seguir do ponto onde o método marxista (história/ideologia) e o formalista (forma/estética) pararam. Disse que quanto a Estética, o leitor compara o que leu com leituras anteriores, e que quanto a implicação histórica, a complexão dos primeiros leitores, enriquece-se de geração a geração. Se compararmos “Helena” com outras obras melodramáticas vemos que ela é claustrofóbica na forma copiada do folhetim e degradante ao não contemplar horizontes para a dignidade humana numa sociedade onde as conveniências vencem as minorias e as esmagam sem remorsos.

Machado contava com a predisposição específica do seu público. Um jogo cheio de regras. Daí mesmo em “Helena” pressentirmos uma “conversa com o leitor”, buscando conivência, logo nos primeiros capítulos.

Se “Helena” hoje é um livro de mestre, é pelo seu caráter artístico e não pelo social (no sentido de valorizar o excluído), mas o juízo do tempo é implacável e os horizontes de hoje não ratificam a teoria formalista, que justifica o caráter histórico de uma obra pelo seu caráter artístico. Do mesmo modo que não podemos prever o que acontecerá em arte amanhã.

Mallarmé fez despertar curiosidades por Gôngora, escritor Barroco, séculos depois da morte deste, então, pode ser que este romance de 1876 venha a responder perguntas no futuro.

Não digo que “Helena” devesse romper com padrões morais de sua época, o que acentuo é que o autor apelou para truques literários que transformaram uma situação delicada numa comédia de erros: Eugênia que amava Estácio que amava Helena que não amava Mendonça, cheia de convencionalismos por demais arcaicos. Por que voltar 26 anos para contar a história de Helena? Para fugir de 1876? E não deveria a literatura oferecer ao leitor novas soluções para sua vida? Mas “Helena” não é peça de museu, pode servir de eixo, ou retalho da colcha moderna, que é a criação de hoje, o hipertexto, nossos horizontes permitem isso.

Os horizontes de expectativas de 1820, 1850, 1876 respectivamente quando as personagens Helena e Estácio (par central do romance) foram gerados, se encontravam e o livro foi publicado. apontam “iscas” de Machado, que mascara e “desmascara”, suas intenções no jogo com o leitor”, forjando às vezes atrito entre a personagem (Helena) e o enredo. “Helena” merece desmascaramento.

Em Helena o leitor: a) se identifica com Helena, a “vítima trágica das circunstâncias” e b) aparenta-se, com Estácio na perspectiva de conhecimento na narrativa.

Um trabalho da crítica Regina Zilbermann analisou o leitor de Machado como sendo rico ou de “um setor ainda ralo, composto da classe média”. Ela também apontou a situação política: 1850 proibição do tráfico de escravos atrapalha produção de café, negros são trazidos do nordeste, imigração e modernização no Rio de Janeiro. Mas diz que não é essa “classe intelectual mais ativa que vemos em Helena”, cujos personagens vivem numa sociedade hierárquica, com opções restritas de trabalho, ascensão e realização pessoal. Diz que o livro esboça uma crítica sutil, que antecipa o final desse mundinho brasileiro do final do Império. Ela também aponta Helena como “objeto de sacrifício” e diz que a culpa é do Conselheiro, seu pai adotivo, e que “Helena” expõe a noção que os filhos pagam pelas essas dos pais. Chega a comparar Helena com outras personagens do autor e diz que ela é um “contra-exemplo da ruptura”, em relação a um outro, com o qual não se assemelha.Diz: “Helena na atualidade parece anacrônica: sua sujeição às classes dominantes, discutível, talvez inaceitável”, e que Machado soube traduzir isso “independentemente da coloração sentimental” com que pintou a situação.

Resumindo: um bom texto deve incitar uma leitura sob novos horizontes.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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