"Paraíso" de Toni Morrison

                                        por Moisés Neto


Paraíso é o nome do livro que a escritora e professora norte-americana Toni Morrison lançou em 1997.

Chloe Anthony Wofford nasceu em Ohio em 1931. Casou-se com um arquiteto jamaicano em 1958, divorciou-se 6 anos depois. Mudou de nome por causa da dificuldade de pronúncia. Publicou The bluest eyes (69), Sula (73), Song of Salomon (77), Tar Baby (80), Beloved (87), Jazz (92) e Paradise. Foi premida com o Pulitzer em 93, recebeu o Nobel de Literatura. Paraíso foi o 1º livro que publicou após a consagração mundial e o 6º da sua carreira. A problemática da negritude é seu tema central.

Em Paraíso vemos como uma comunidade formada só por negros “puros” (protestantes do tipo Rocha-8- carvão), chamada Ruby, terminar se envolvendo com o assassinato de algumas mulheres que viviam num antigo convento.

Ruby fica a 145 km de qualquer outra cidade e a 27 do tal “Convento”.

A idéia de Paraíso envolve separação e angústia. Os negros são extremamente preconceituosos com os mestiços. Atribuem a estes a deformação da raça. O centro de Ruby é formado algumas famílias que a fundaram desde o fim do século XIX.

“Eles atiraram na branca primeiro. Com o resto podem demorar. Aqui não há pressa (...) esconderijo é o que não falta no Convento, mas têm tempo e o dia acaba de começar”. Assim inicia-se o livro. Num tom meio espalhafatoso e cheio de frases feitas, Toni exercita sua escrita: negra, feminina, com uma dinâmica que lhe é muito particular e que desconstrói a linguagem da narrativa como nós a conhecemos.

É um quebra-cabeça imenso. Um painel onde a voz narrativa se confunde com os discursos interiores das personagens, que são muitas e são citadas ora pelo apelido ora pelo nome.

Ruby tem 360 habitantes em 1976. São tementes a Deus. Contra o adultério. As 5 mulheres do Convento fazem vergonha, aquele “Antro” de “bruxas” pervertidas! Aquilo precisava ser destruído. Lá moram Mavis, acusada de matar os filhos, Gigi, uma garota muito louca, Consolata, uma mulher que fora abandonada num republiqueta do 3º mundo e trazida para Ruby (Oklahoma) por uma freira, irmã Mary Magna que educava crianças índias com auxílio da Igreja e do Governo. Com a morte da irmã, já bem velha, o Convento fica nas mãos de Consolata. Uma espécie de curandeira, mulher amargurada por um antigo relacionamento com um influente habitante de Ruby. Salva-lhe a vida do filho e a esposa dele lhe será grata.

Toni arma sua teia com perspicácia e joga com metáforas num labirinto de 9 capítulos, cada um com nome de mulher. Requer leitura complexa.

Ruby é a recriação da antiga comunidade dos rocha 8: Haven, que tendo fracassado reinstalou-se com este nome em 1949. Desde 1889 através da Louisiana, Mississipi até Oklahoma. Pedem a Deus um Paraíso (“Haven”) onde viver em paz. Reconstroem ali o antigo Forno (símbolo da comunidade). Por isso as mulheres do convento surgem como ameaça, e assim também nomes como Martin Luther King e Malcolm X desviam os bons garotos de Ruby. O caos se instala. O crime espreita. É uma encruzilhada de entrelugares. A negritude na confusão do deslocamento ideológico, renomeando o mundo através da ótica bíblica.

O convento abriga mulheres sem rumo. Ali colhe-se pimenta, melões muito doces, faz-se comida para vender. Há uma adega com vinhos, várias obras de arte, às vezes eróticas , pois antes do ser convento ali funcionara um bordel.

A crítica aponta Paraíso como parte de uma trilogia composta por Beloved e Jazz, que expõe os excessos que podem conduzir do amor à violência. Morrison manipula a questão do duplo, dentre outros modos, com um excesso de gêmeos numa trama. Falta-lhe um aprofundamento nas personagens e às vezes o livro exige uma releitura. Em alguns momentos nos lembra algo da literatura do realismo mágico sul americano de Garcia Márquez e Mario Vargas Llosa.

A ruptura com a linearidade é praticada com muita insistência, criando o que Freud chamou Fort-da (oferece e esconde).

Titubeando entre o épico e o lírico, a narrativa ostenta claramente uma tensão ideológica, uma dramática agonia que ecoa da quebra das correntes que unem o negro norte-americano à mãe África. Um caso mal resolvido onde árvore, fruto e raiz ainda clamam definições. Um painel terrível, paradoxal, hiperbólico, barroco: eis o texto de Morrison. Provocando o leitor, inquietando-o, fazendo texto ranger. Barthes chamaria de um texto de gozo/ fruição.

O texto não é transparente, ele próprio faz-se agonia e êxtase.

No capítulo “Consolata” ( o mais “fácil”) e no que expõe o “massacre” , a trama explode, convulsiona-se. As impossibilidades de cor e sexo acentuam divergências. Intersecções e rupturas. Uma guerra sem vencedores.

A questão da família e da propriedade, tão criticada nos anos 70(contracultura) aflora em Paraíso como uma espécie de desvio.

A problemática comunidade de Ruby é prisioneira de si mesma e de um regime claustrofóbico representado pelos antigos patriarcas e seus descendentes. Por este lado a obra é um grito de denúncia do machismo.

Em oposição à cidade temos a “loucura” do Convento, símbolo das encruzilhadas cheias de um estranho tormento que une a construção humana e a agonia do vazio, para o qual, às vezes, somos empurrados..

A personagem Patrícia, professora em Ruby, uma mestiça, cuja mãe sofrera preconceito, tenta organizar a história , a árvore genealógica de Ruby. Sobrevem-lhe angústia e ela termina engolfada pela mentira que permeia asa estruturas daquela comunidade que sonhou viver como Deus queria e terminou numa farsa ao repetira hecatombe provocada pelo preconceito e o autoritarismo do poder cego.

Homens dominando mulheres, negros contra mestiços e brancos. Mãe assassinando seus bebês, às vezes no próprio útero. Mentiras que matam. Injustiças abençoadas por cristãos. Estes são alguns ingredientes de Paraíso.

Quase não há enredo e sim, nos moldes das narrativas orais afro-americanas , uma história, que não exige um crescendo, nem ordem cronológica. Uma história cheia de latos e baixos, reticências, gritos e sussurros, que exigem nossa atenção.

Toni se inspirou nas comunidades negras americanas para criar Ruby (e Haven).

Alguns críticos apontam semelhanças entre os homens de Ruby e os fariseus, ente o Convento e a tumba de Cristo. Consolata ressuscita o filho do amante. O corpo dela desapareceu. Ela guiava as mulheres do Convento.

O isolamento carrega as sementes da própria destruição. O protestantismo de Ruby vai de encontro à religião não-oficial do Convento.

A primeira frase do livro é um enigma: ninguém sabe quem é esta “branca” em quem atiraram primeiro. Nem se as garotas do Convento são pretas ou brancas. Toni explica que o inteiro do ser humano não tem cor.

Matar parece fazer parte do amar em Toni Morrison que assim parece encontrar, para alguns dos seus personagens uma espécie de liberdade.

É forte sua crítica ao conservadorismo (Ruby, ao liberalismo(o Convento). O Bem e o Mal estão em todo lugar.

Os relacionamentos vão se complicando. O romance se inicia em 1974 e rompe a ordem cronológica indo e voltando aos tempos da guerra civil, por exemplo.

Toni é uma escritora negra que fala da diáspora dos negros, cujos romances remapeiam através do alegórico a saga deste povo, que no fim das contas somos nós, do novo mundo também.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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