"Os Sertões", Euclides da Cunha em 2002: Centenário da Obra

                                        por Moisés Neto


25 MIL BRASILEIROS MORTOS: QUANDO? POR QUÊ? ONDE? COMO? QUEM CONTOU?



Canudos foi a mais sangrenta guerra civil do Brasil, que então tinha como chefe o presidente Prudente de Morais.

Muitas crianças que sobreviveram à tragédia foram vendidas para bordéis baianos, depois que todas foram violentadas pelos soldados como prêmio.

Enquanto Conselheiro, um cearense, fundava Canudos, em 1893, o rio assistia a Sarah Bernhardt, a atriz francesa veio com a ópera “Tosca”.

Nesta mesma época, outros que começavam a se “apresentar” no nordeste brasileiro, eram os cangaceiros (que atuariam até 1940). Vítimas e algozes de um nordeste esquecido pelo litoral.

A maldição de Conselheiro começava: Euclides começou a ter visões com “mulheres de branco”. O ministro da Guerra e comandante da 4ª missão foi assassinado (assim como Euclides e seus 2 filhos). E a própria Canudos, viraria açude ,em 1966 (Obras promovidas pelo DROCS).

Seria ridículo o monarquismo de Conselheiro vencer a república?

Corta essa, Brasil.

Em 4 de Agosto de 1897 Euclides chega a Salvador e segue para Canudos onde fica até 3 de outubro daquele mesmo ano. Lá só ficou 3 semanas (em Canudos) antevéspera da vitória do “Exército Republicano”.

Dia 22 de setembro morreu aos 69 anos,Antônio Conselheiro mais uma vez a moda francesa de cortar cabeças : a do Conselheiro foi levada para o Rio de Janeiro, para ficar em exposição.

Há divergências estéticas, ideológicas e literárias sobre o livro “Os Sertões”, porém Euclides encontrou Canudos intacta, e com maestria reconstruiu-a de modo exemplar aos nossos olhos, naquele livro, para sempre. Para isso o ajudou a polícia, o exército, os depoimentos de populares, os manuscritos (inclusive do próprio Conselheiro) e alguns objetos pinçados nas ruínas.

Euclides travestiu Canudos em centro nervoso da cultura nosso povo para horror dos urbanóides cariocas e paulistas que resolveram estender até Canudos o seu campo de batatas machadiano (Ao vencedor as batatas!)

Outros jornalistas foram a Canudos, mas Euclides era o homem certo. Intelectualmente o mais preparado. Pensarmos que anos depois ele retornaria suas rotas para produzir o colossal “Os Sertões”, enquanto trabalhava no projeto de uma ponte em outro estado do Brasil, nos faz redimensionar o quadro do terror e glória num cenário detalhista que ele criou, e que segue , até hoje, provocando sensações literárias arrepiantes. Empolgando com sua oratória de ateu. Que um crítico chamou “linguagem-sucuri” por comprimir tão bem a realidade.

“Cocorobó” é o ridículo nome da represa do DNOCS que formou um lago/ açude sobre Canudos,que foi um clã hierárquico segundo alguns, despótico – 5.200 casas. 25.000 mortos. Hoje mais de 100 anos depois o sertão, onde se ergueu a inolvidável Canudos continua abandonado, ali onde a imagem da Virgem Santíssima, segundo a lenda, chorou sangue. Esse açude que esconde antigas ruínas de sonho, é bebido, lava e rega.

II- Conselheiro foi contra o casamento civil que veio com o advento da República do Brasil (quando a Igreja separou-se do Estado). Mas também não propôs “reforma agrária violenta”. Simplesmente ele tirava da mão de obra barata, o “vigor do negro e a virtude do branco” e dos mestiços.
O povo de Canudos era grandioso, nobre, heróico, mesmo que a metrópole o desdenhasse numa época (fim do século XIX) que o Brasil vivesse 85% no campo, a modernidade no Brasil sempre foi autoritária.

“Os Sertões”,publicado em 1902, foi a grande aventura literária de Euclides da Cunha.

O Escritor Peruano Mário Vargas Llosa escreveu também a história de Canudos em “A guerra do fim do mundo” (1981) onde reafirmou que os jagunços não tinham outra cultura além da religiosa e regional.



SOBRE EUCLIDES DA CUNHA ,O CARIOCA


Euclides tinha 31 anos em 1897,quando foi para Canudos cobrir a guerra,como jornalista.

Fora criado por tias (e órfão de mãe) No Rio estuda no Colégio Anglo-Americano. Vai para (Escola Militar) quer ser Engenheiro Civil, mas sofre influencia de seu primo e influenciado pela posição social que os militares gozavam no período pós “guerra” do Paraguai vai estudar Engenharia Militar e arvora-se a escritor abolicionista e republicano. Publicando poemas e críticas(um dos seus alvos é a “deplorável infecundidade” dos críticos literários da época). Atrevendo-se a criticar o ministro da Guerra (ele partiu a espada na frente do Ministro e foi expulso do exército).

Junta-se a Júlio Mesquita (dono de um Jornal) e quando é proclamada a República do Brasil, ele volta ao exército, faz curso de artilharia, já é segundo tenente. Casa com Ana, filha do homem que entregou a ordem de despejo da família imperial.A esposa no futuro será causa da sua desgraça: para vingar o adultério ele morre em duelo, do mesmo modo seu filho assim sucumbirá.
Euclides é bacharel em matemática, ciências físicas e naturais. É um positivista/naturalista. Um funcionário público (com as implicações que isto traz) e chega a ser capitão (os jagunços de Conselheiro que o aguardem). A ânsia de participar ativamente da realidade leva-o a publicar dois artigos no estado baiano de fim de século.

Se compararmos o fato que Euclides sofria dispepsia (dificuldade para digerir) com a negação que Euclides faz de si mesmo ao criticar os mestiços, com fato dele ser traído pela mulher e interessar-se por problemas públicos, e com o poeta lacrimogêneo,que foi, fisgaremos deste emaranhado o Euclides que olhava para a incultura esmagada pela fé de Antônio Conselheiro (chefe religioso/político de Canudos). Vemos Euclides como um Homero. (Prosador). Seu painel é menos rico, é certo, mas com “magnificência dramática” e “riqueza” de reconhecimentos espirituais”, como enfatizou Stefan Zweig. E lá no fundo: frustrado,traído.

Como Euclides, Antônio Conselheiro viajava muito, também foi traído pela mulher e exerceu diversas profissões. Nosso autor biografa o beato como decadente e “infeliz” em penitência “demorada e rude”, “fantástico e mal-assombrado” capaz de emudecer “vielas festivas” no sertão (onde a “sociedade primitiva” compreendia melhor a vida pelo incompreendido dos milagres). Seu temperamento delirante, “desvairado”, “insano,monstruoso e autômato”, fez de Conselheiro um “agente-passivo”, no interior de Pernambuco onde passou muito tempo arrastando-se com seus escritos. Um asceta (só pedia o necessário para sobreviver, em esmolas) solitário, dormindo no chão ou em “tábua nua”. Euclides diz que os primeiros discípulos eram gente avessa ao trabalho, vencida da vida, “rapina”. E Conselheiro uma “múmia”, inteligente mas “sem cultura... imerso no sonho de onde não mais despertaria”.

Foram 15 anos de penitência e angústias recalcadas. A pele seca cobria a carne morta anestesiada pela dor. “Um estóico” bufão a dizer que a igreja romana obedece a Satanás. O amor em canudos era livre (quase extinção do casamento), mas cons. casava e batizava (o cristianismo voltando ao seu berço judaico?) o povo segue o “rabino” e deixa os padres de boca aberta e igreja vazia.

Conselheiro como dominador incondicional de Canudos, incitou o povo a não pagar impostos .

Canudos tem esse nome por causa de um vegetal que crescia à beira do rio e o povo usava para fazer estranhos cachimbos. Conselheiro muda o lugar em 1893, transformando-a na “Tróia de Taipa”(lembrem-se de Homero). “A urbs” monstruosa de barro, a civitas sinistra do enfoque surgiu “já feito ruínas”. Feita por um povo que largou de qualquer jeito tudo que tinha para seguir Conselheiro. “Como se tudo aquilo fosse construído, febrilmente uma noite, por uma multidão de loucos” ,traduzindo a “decrepitude da raça” expressa até em “Santos africanizados e Maria Santíssimas feias como negras”.

O Clã de Conselheiro vivendo sob “a preocupação doentia da outra vida não cogitava instituições garantidoras de um destino na terra. Canudos era o cosmos.”

Comunidade absoluta de terra. Amor livre entre os matutos “crédulos e iludidos” (?).Sinistros heróis da faca. A cadeia em Canudos era guardada por assassinos que vigiavam os presos, em sua maior parte gente que não que não rezou direito ou tomou aguardente:

Na igreja (“Monstruosa”), de um “gótico rude”, prostitutas e donzelas nivelavam-se, negro e branco, ex-rico com miserável em comunhão num Ângelus incrível de Kyries e genuflexões: “Galvanizados por um doido”. Enquanto o resto do Brasil entrava polidamente na civilização republicana. (1894)
Os rudes poetas de Canudos rimavam “desvarios em quadras incolores” (sempre segundo Euclides da Cunha) excomungando a República Demoníaca. Os mortos eram como que “desertores do martírio”.
O Brasil malsinado de indisciplinados heróis, disciplinou o banditismo louvar o cangaço é louvar a máfia. É esta mais ou menos a visão do leitor euclidiano que ao mesmo tempo é como atraído pelo potencial bélico do nosso oprimido povo. Mas o braço dos ricos sobrepõe-se altaneiro, à esquerda e à direita.

Para os matutos a tática da fuga “estonteadora”. Só dividindo-os o exército venceu quilombos e revoltas. Enquanto isso o sertanejo qual “titã bronzeado fez vacilar a marcha do exército. E Euclides sai negando a produtividade de Canudos e enfeitando sua narrativa com comparações esdrúxulas” e excessos de adjetivos para louvar os canhões do exército republicano em repentino deflagrar de tiros.
Os soldados (que bebiam qualquer água imunda). Morriam matando os ditos sanhudos, bárbaros ardilosos”, que caíam qual “Dédalos rasgados”. Euclides esbanja o termo “psicologia” em sua narrativa.

Na segunda expedição os soldados carregaram bomba artesiana para aproveitar lençóis líquidos.
Conselheiro:evangelista “humílimo e formidável”. Um feiticeiro na natureza imóvel, no “fastígio da montanha sem uma flor” enfrentaria as tropas do governo descrito por Euclides com humor detalhista, ou horror

Quatro expedições foram necessárias para arrasar Canudos “o último espantalho monárquico” um dos batalhões tinha o nome de “Frei Caneca” (!).

Euclides comparando Conselheiro chama Padre Cícero (que tentou ajudar Conselheiro) de “Heresiárca sinistro”.Os soldados, fujões ou dedicados são reversos desta medalha, títeres do poder que salva, deitavam-se na “mais niveladora promiscuidade” enquanto voavam milhões de balas.

“E assim iam-se os dias, nesse intermitir de refregas furiosas e rápidas, e longas reticências de calma, pontilhadas balas”. (4ª expedição).

O Arraial era inatingível (aquela tapera babilônica (para o exército: raiz de umbu, rapadura eram
“iguarias santuárias”, um cigarro “um ideal de epicurista”).

Descia a noite, Canudos (“O inimigo traiçoeiro”) se acendia e pelos descampados ecoava o toque da Ave-Maria sobre a seca que já dava sinais em julho.;

[Soldados arrasariam Canudos com canhões]

Um litro de farinha para sete “praças” e um boi para um batalhão.

Lá estava Dantas Barreto frente ao sertanejo que defendia o lar invadido.

10 de agosto de 1897: 2049 soldados mortos.

Soldados: “essas máquinas de músculos e nervos feitas para agirem mecanicamente” ,sob a “ pressa inflexível das leis”

Os espinhos inchavam os pés.

Se o sertão tem 377 páginas, Euclides só entra em cena na 277.

“Soldados são heróis”.

A figura de Conselheiro desaparece por mais de 100 páginas [o judaísmo é usado como comparação].
O perfil judaico .

Cirurgiões, jornalistas e estudantes chegam a Canudos.

Setembro de 1897: derrubadas, as duas torres da igreja nova, Canudos já parecia uma “necrópole antiga”.

Do lado dos militares os estudantes riam e contavam anedotas (“férias forçadas”) – a vida normatizara-se naquela anormalidade”, toda agente já se adaptara à situação” .

22 de agosto morrera o Conselheiro, vítima de um estilhaço de granada. Morreu de “bruços, afronte colada à terra, dentro do templo em ruínas”. “Aconchegando ao peito uma cruz de prata”.

Dizem que ele teve ataque de disenteria.Isso o teria matado.

Seguem-se degolas estripamentos do povo de Canudos.

Um raro negro puro de Canudos (“Espigado e seco”) cabeça lanzuda, cara exígua, nariz chato sobre lábios grossos, dentes oblíquos e saltados” parecia um “orango valetudinário”. Euclides é racista:“Era um animal, não valia a pena interrogá-lo (naturalismo exacerbado).

Uma mameluca,quando interrogado respondia “sei não”,ou, “e eu sei?”. Tal “bruxa” foi degolada.

Aquilo não era campanha, era vingança. Contra velhinhos e crianças. As bases comuns, a opressor e oprimidos, eram os instintos inferiores e maus.

Os prisioneiros eram obrigados a cavar o próprio túmulo.

1º de outubro últimos tiros, “o último trecho de Canudos arrebentava todo”.

A cidadela não se rendeu.

Os soldados exumaram Conselheiro, cortaram sua cabeça e levaram para o litoral.

As reportagens de Euclides foram publicadas em livro em 1902.

Estranho centenário.Notável Canudos, eterna em Os Sertões de Euclides.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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