Capitães de Areia

                                        por Moisés Neto.

Jorge Amado nasceu em Itabuna, em 10/08/1912 e morreu em agosto de 2001.Sua trajetória é marcada pela prisão por motivos políticos em 36/37,durante o governo de Getúlio Vargas e o exílio em 41/43(Argentina) e após 47:França,Estados Unidos(!),União Soviética,dentre outros lugares.Voltou ao Brasil em 52 e deu novo rumo à sua carreira.Em 61 entrou para a Academia Brasileira de Letras.

Dentre os seus livros publicados estão: País do Carnaval(31), Cacau(33), Suor(34), Jubiabá(35), Mar Morto(36), Capitães da Areia(37), Terras do Sem Fim(43), São Jorge dos Ilhéus(44), Seara Vermelha(46), Os Subterrâneos da Liberdade (3 volumes:Os Ásperos Tempos,Agonia da Noite e A Luz e o Túnel), Gabriela Cravo e Canela(58), Dona Flor e seus Dois Maridos(67), Tenda dos Milagres(70), Teresa Batista Cansada de Guerra(73), Tieta do Agreste(77), Farda,Fardão,Camisola de Dormir(79), O Menino Grapiúna(82).

Sua obra divide-se em:

Romances proletários(Cacau,Suor,País do Carnaval).

Depoimentos líricos(Jubiabá,Mar Morto,Capitães da Areia).

Pregação partidária.

Painéis da região do cacau(Terras do Sem Fim,São Jorge dos Ilhéus.

Crônicas de costumes(Gabriela,Dona Flor,Teresa Batista,Tenda dos Milagres e Tieta).

Amado idealiza o negro e em Seara Vermelha volta-se para o banditismo(sempre como efeito da miséria,do latifúndio). A linguagem é simples e oferece ao leitor uma visão “crítica”das relações sociais (o homem se dissolve na massa que,às vezes,pode ser o fascismo,o racismo,o stalinismo).

A tensão é mínima e o conflito no máximo é verbal, quando muito.Os personagens interagem com a paisagem e são condicionados por ela.

Jorge era filho de comerciante sergipano dono de terras em Sergipe e na Bahia,daí sua fonte de inspiração.Foi influenciado por Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz e fez literatura de propaganda política,realismo bruto,influenciado por romancistas norte-americanos e literatura russa.

Boa parte dos seus personagens exibe atitudes românticas e sensuais.Criou “tipos” inesquecíveis.Suas narrativas buscam a oralidade num regionalismo quase apelativo e que depois foi permeado por palavrões e oscilando entre a pieguice e a volúpia e entregando-se ao descuido formal. Soube como poucos transmitir o Eros do povo.

O romance Capitães da Areia narra a vida de menores abandonados da Bahia,que vivem num barraco abandonado.O líder é Pedro Bala,bom e corajoso (mais um estereótipo de Amado), João Grande( o negro bondoso e forte, outro “tipo”), o Professor (“artista”), Pirulito (místico e introvertido), Dora (jovem amante de Pedro Bala), Gato (elegante e conquistador), Sem-Pernas (bom,mas revoltado por não ter um “lar”), Volta Seca (afilhado de Lampião). São tipos quase caricaturais.

A narrativa busca ser fiel à realidade, ao abordar o cotidiano destes jovens que tentam driblar seu destino miserável,sua angústia por não ter quem os proteja,a falta de comida,de dinheiro,de amor,numa sociedade extremamente injusta que os persegue e quer matá-los.

A narrativa é ao mesmo tempo “crua e lírica”(poética).O narrador joga a culpa nas desigualdades sociais,que levam ao crime e à marginalização.

A narrativa é intercalda com reportagens sobre o grupo dos “Capitães da areia” e mostrando os menores do ponto de vista da burguesia bem situada. “O romance sugere o contraste entre a humanidade e a sensibilidade das crianças e a desonestidade das classes dominantes.Conduzindo a história em função dos destinos individuais de cada participante do bando,Jorge Amado acaba por mostrar que,à exceção de um ou outro (o Gato torna-se de vez um bandido;Sem-Pernas morre fugindo da polícia;e Volta-Seca alia-se a Lampião), os demais ganham consciência política,revolucionária e participam de movimentos reivindicatórios”,diz o crítico Álvaro Gomes.

A grande admiração do autor pelos vagabundos inspirou-o na composição deste romance.Estes órfãos desamparados que vivem na orla de Salvador,à custa de furtos e pequenas trapaças são como um “desdobramento” do que ocorre Em “Jubiabá” (história da vida de Antônio Balduíno,mostrando o povo colorido da Bahia,personagens pitorescos como o pai-de-santo Jubiabá,que protege Baldo, que nutre paixão por Lindinalva,tudo num clima sensual e apimentado) ,em que o herói ascende da marginalidade à consciência política.


CONCEPÇÕES DO AUTOR SOBRE Capitães da Areia

Os molecotes atrevidos,o olhar vivo,o gesto rápido,a gíria de malandros,os rostos chupados de fome,vos pedirão esmola.

Praticam também pequenos furtos.Há quase oito anos escrevi um romance sobre eles,os Capitães da Areia.Os que conheci naquela época são hoje homens feitos,malandros do cais,com cachaça e violão,operários de fábrica,ladrões fichados na polícia,mas capitães da areia continuam a existir enchendo as ruas da cidade,dormindo ao léu.

Não são um bando surgido ao acaso,coisa passageira na vida da cidade.

É um fenômeno permanente,nascido da fome que se abate sobre as classes pobres.Aumenta diariamente o número d crianças abandonadas.Os jornais denunciam constantes malfeitos desses meninos que têm como único corretivo as surras na polícia. Os maus tratos sucessivos.Parecem pequenos ratos agressivos,sem medo de coisa alguma,de choro fácil e falso,de inteligência ativíssima,soltos de língua,conhecendo todas as misérias do mundo numa época em que as crianças ricas ainda criam cachos e pensam que os filhos vêm de Paris no bico de uma cegonha.

Triste espetáculo das ruas da Bahia,os capitães da areia.Nada existe que eu ame com tão profundo amor quanto estes pequenos vagabundos,ladrões de onze anos,assaltantes infantis,que os pais tiveram de abandonar por não ter como alimenta-los.

Vivem pelo areal do cais,por sob as pontes,nas portas dos casarões,pedem esmolas,fazem recados,agora conduzem americanos ao mangue,São vítimas,um problema que a caridade dos bons de coração não resolve.Que adianta os orfanatos para quinze ou vinte?Que adiantam as colônias agrícolas para meia dúzia?

Os capitães da areia continuam a existir. Crescem e vão embora mas já muitos outros tomaram os lugares vagos.Só matando a fome dos pais pode-se arrancar à sua desgraçada vida essas crianças sem infância,sem brinquedos,sem carinhos maternos,sem escola,sem lar e sem comida.

Os capitães da areia,esfomeados e intrépidos !

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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