Do Parnaso (monte
grego onde moravam Apolo e suas musas e aonde os poetas
iam em busca de inspiração) da França veio o modelo
para um novo tipo de poesia no século XIX- 1866: Laconte de Lisle,
Théophile Gautier eram os principais poetas do então chamado
Parnasse Contemporain(antologias poéticas publicadas
naquela época ).
A busca da palavra exata, o preciosismo(delicadeza excessiva no falar
e no escrever- como na França do século XVII), descrevendo
a realidade objetivamente,plasticamente. Tudo isso com maestria. Saber
manejar o verso,lembrando-se dos gregos e dos latinos,das cenas históricas,da
sensualidade feminina.
Fanfarras (significa toques de trompas e clarins), livro
com poemas de Teófilo Dias, deu fim à sentimental poesia
romântica no Brasil, inaugurando entre nós O Parnasianismo.Vieram
Alberto de Oliveira, carioca eleito príncipe dos poetas em 1924,
Raimundo Correia, do Maranhão, e Vicente Carvalho. Sobreviventes
da Batalha do Parnaso- polêmica dos adeptos do Romantismo
contra os desbravadores Realistas e Parnasianos, o palco da disputa
foi o jornal Diário do Rio de Janeiro, o ano 1878.
Os parnasianos basearam-se no Neoclassicismo.
Nos seus poemas de forma fixa(soneto,por exemplo) buscaram a perfeita
construção fônica e sintática.
Rimas ricas(classes gramaticais diferentes),raras(inusitadas não
usavam como tema os problemas morais,políticos, religiosos ou
sociais.Em vez disso, a Beleza! A Arte! A sensualidade palpável!
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (RJ-1865/1918)
abandonou a Faculdade de Medicina no 5º ano e mudou-se para São
Paulo onde cursou um ano de Direito e então voltou para o Rio
e dedicou-se aos seus escritos, tendo como missão
espalhar o patriotismo ,ele,que só conhecera o próprio
pai aos cinco anos, quando o mesmo voltou da Guerra do Paraguai.
Escreveu poemas sobre obras de arte, foi comedido e técnico,chegou
ao tom épico em O Caçador de Esmeraldas, epopéia
sertanista sobre o bandeirante Fernão Dias Pais, onde a história
brasileira serve de pano de fundo para a exibição do seu
talento.
Sua poesia líricoamorosa em certos momentos trai os ritos
parnasianos pois quebrando o gelo questiona o sentido da
vida e o que seria a morte.
Em Panóplias (armadura,escudo) ,um dos seus livros,
inspira-se em Roma, em Via Láctea exibe seu lirismo
em 35 sonetos. Já em Sarças de Fogo esparrama
sua sensualidade através de pleonasmo e inversões. Outros
livros seus: Alma Inquieta, As Viagens e Tarde,
este póstumo-1919.
A Semana de Arte Moderna de 22 em São Paulo avacalhou
os parnasianos ao extremo,se bem que Mário de Andrade o valor
que eles tiveram naquele culto à forma, naquela impassibilidade,
impessoalidade, racionalismo na busca da perfeição.
Em Alexandrinos e decassílabos(12 e 10 sílabas poéticas
por verso) expuseram um dom de assimilação ao transubstanciar
em próprias ,emoções alheias, emprestando-lhes
um sentimento mais profundo e uma expressão mais intensa e formosa,
como bem disse o crítico José Veríssimo.
Bilac era uma amante da língua portuguesa, carinhosamente chamou-a
de última flor do latim, é o que vemos no
soneto Língua Portuguesa: Última flor
do Lácio,/Inculta e bela,/ És, a um tempo,esplendor e
sepultura./Ouro nativo,que na ganga impura/A bruta mina entre os cascalhos
vela.... Ele ignorou a campanha abolicionista e só se tornou
republicano depois da Proclamação da República
(inclusive satirizou Floriano Peixoto).Mais tarde ignorou também
a Primeira Guerra Mundial,preferindo a galhofa em suas crônicas
que vão do reacionário até contestadoras.
Pois bem,depois deste preâmbulo sobre Bilac e o Parnasianismo
vamos ao prato principal: Bilac vê Estrelas(Série
Literatura ou morte.Companhia das LetrasSp.2000) romance
de Ruy Castro inspirado na vida do nosso poeta.
Ruy Castro é jornalista mineiro,nasceu em 1948 escreveu livros
como Chega de Saudade-a História e as histórias
da Bossa Nova /1990, O Anjo Pornográfico-A Vida de
Nelson Rodrigues/1992 e Estrela Solitária- Um Brasileiro
Chamado Garrincha/1995.
O tom de pastelão já se anuncia desde o começo
da narrativa. A farofa começa a se apimentar numa paródia
à música Sassaricando.Uma chuva de adjetivos
estende-se pelas páginas seguintes buscando um efeito cômico
tão querido dos jornalistas de hoje , com a ironia de sempre:
Saçaricando na porta da Colombo Bilac, era um assombro.Viúvas,brotinhos
e madames passavam pela famosa confeitaria da rua Gonçalves Dias
lambendo-o com o rabo dos olhos .Não que Bilac fosse irresistivelmente
lambível .Podia ser alto,esbelto,elegante e o poeta mais querido
do Brasil, mas era vesgo(...)era como se com o olho direito estivesse
fritando o peixe e com o direito olhando o gato.Tentando disfarçar
o estrabismo Bilac decidiu passar o resto da vida de perfil (...)Ouvir
Bilac em pessoa recitando alguns dos seus versos de vinte e quatro quilates
mesmo enquanto mastigava um croquete de siri,devia ser até melhor
do que ouvir as estrelas propriamente ditas.
O ano é 1903.
A narrativa na 3ª pessoa personaliza-se com verbos na 1ª, como na página
14: estávamos no século XX.... O efeito buscado
lembra em muito algumas passagens do programa Os Trapalhões
do comediante Renato Aragão ou ainda os humoristas do cinema
mudo norte-americano.Como no trecho que descreve o primeiro acidente
de automóvel no Brasil, que foi protagonizado por Bilac que havia
pedido emprestado o carro de José do Patrocínio, ele,
o tigre da abolição que é o segundo
personagem principal do romance cujo tema é a construção
do seu dirigível, à qual Bilac dá o maior apoio,
sob às vistas de uma narrativa que insinua que Bilac era um pouco
gay.
Ruy não mede esforços para impactar o leitor com suas
tiradas hilariantes, como por exemplo ejaculou Bilac (p-16)
ou mesmo pilhérias vulgares:tão queridos e, agora,tão
cadáveres (p-20) e essa:Na Colombo(onde Patrocínio
era Deus e Bilac o Filho,sobrando uma vaga apertada para o Espírito
Santo.
Machado de Assis aparece como personagem durante exatamente nove linhas
(p -38 e 39) para comentar as diabruras do tigre e seu dirigível,
o balão Santa Cruz, louvadas pelo nosso parnasiano
Bilac numa crônica na Gazeta de Notícias : Machado Meditou
profundamente antes de fazer tsk,tsk,e só então comentou
com a mulher:`Carolina,temo ter sido imprudente ao fazer de Bilac meu
sucessor na Gazeta. Quanto a Patrocínio,acho que umas chibatadas
em criança não lhe teriam feito mal´ .
O trecho acima além de tudo traduz um preconceito de cor como
se Ruy quisesse criticar tal atitude em Machado.
Na página 31 surgem recursos que lembram muito a carpintaria
teatral,por exemplo colocar o que está acontecendo, as marcas
teatrais, entre parênteses no caso Ah,ah,ah!(gargalhadas
sarcásticas).
Às vezes surgem pérolas em forma de verbo.Lá estão
nas páginas 32 2 77: Lá do alto (do balão)
Patrocínio jogaria beijos para o povo e este o vivaria atirando
chapéus e bengalas para o ar e Esse detalhe estomagou
Bilac de tal forma que a farofa de miúdos do marreco engasgou-se-lhe
na glote e ele só a desencalhou à custa de goles de vinho
e tapas nas costas dados por um garçom. É uma atitude
que tem a ver com o Parnasianismo esta de buscar palavras pouco usuais.
Há que se reconhecer o talento de Ruy mesmo quando ele parece
exibir um conhecimento de almanaque: em 1709, o padre santista
Bartolomeu de Gusmão, o `padre voador´,tentara conquistar
os ares europeus com sua baldada Ventarola:Foi comovente lembrar a tragédia
de outro aeronauta patrício, Augusto Severo,que,tão recentemente,em
1902,morrera em Paris na explosão do seu dirigível Pax.
E ao citar Santos-Dumont como o brasileiro que redimiria o homem do
`defeito de não ser pássaro ´ (p-42) Uma
nova invenção de Santos-Dumont o relógio
de pulso que ele desenhou e pediu ao joalheiro Louis Cartier que o fabricasse,modas
que tomou toda a Paris de assalto. Dumont também inventou o hangar,
a porta corrediça e a palavra aeroporto (p-54 e 55).
Em Paris Bilac encontra a princesa Isabel, o Conde d´Eu ,Santos-Dumont,Gertrude
Stein e o cineasta Méliès , dentre outras pessoas famosas
e/ou históricas.E... vai a uma cartomante!(uma vidente).Louva
Eça de Queiroz (p-65) e mostra-se ateu:não acreditava
em Deus,nem em preces ou religiões mas se prostraria diante daquele
Eça de mármore em busca de uma iluminação(...)
Faria com a estátua o que o pudor o impedira de fazer com o homem
doze anos antes, em Paris :encostaria nela todo o seu corpo e beijaria
aquelas mão que haviam escrito `Os Maias´ .Nem que tivesse
de escalar o pedestal usando as unhas, ou fosse apontado como louco
pelos transeuntes, ou despencasse lá de cima .(p-66)
Os poemas de Bilac são salpicados aqui e acolá pela narrativa,sempre
fragmentados, como nas páginas 55 e 56: Viver não
pude sem que o fel provasse/Desse outro amor que nos perverte e engana.
Há índices de Naturalismo no capítulo 6 quando
conhecemos a vilã da história, a marafona
Eduarda,uma espiã portuguesa disposta a tudo para conseguir seus
intentos,até seduzir um padre sedento de sexo : matilhas
de homens estavam sempre cercando-a,sôfregos e salivantes como
cachorros(p-71).Ela tenta em vão roubar os planos de Patrocínio,
Bilac a detém resistindo-lhe aos encantos , mesmo quando ela
entra no quarto dele ,fica nua e agarra-lhe o sexo enquanto ele dormia
de camisola sem nada por debaixo, numa cena digna dos irmãos
Marx.
Politicamente incorreto ao referir-se às minorias, deficientes
: Mãozinha-tinha esse apelido não por ser um dos
bolinas que importunavam as mulheres nos bondes ,mas por um defeito
congênito que fazia sua mão direita lembrar um mocotó.(p-78)
A situação financeira de Bilac é passada a limpo
na página 78O que lhe permitia às vezes dar bordejos
pela Europa eram os seus livros de história do Brasil para crianças.
É óbvio o excelente levantamento jornalístico da
época praticado por Ruy, um craque em sua profissão.Porém
a sua colcha de retalhos tem seus excessos ,ao falar do
passado da personagem Eduarda, então passando necessidades, diz
que ela se hospedou no humílimo hotel d´Alsace, na
rue dês Beaux-Arts, em Saint-Germain (fora no Alsace que,havia
três anos ,depois de longa agonia, morrera Oscar Wilde). (p-81)
As hipérboles e metáforas pipocam a cada página:
As cordas com que estava prendendo os equipamentos dariam para
Carlos Gomes ter composto dez versões diferentes de O Guarany.(p-79)
O promíscuo padre Maximiliano, um divo italiano de ópera
(p-101) no muque dele ninguém se espantaria se,um
dia encontrassem uma tatuagem de Santa Terezinha .Ele punha à
prova sua castidade todos os dias,perdendo sempre. Fazer sexo
com as fiéis para ele era prestar assistência paroquial
e seu pênis era como um mísero apêndice abaixo
do umbigo. Ele foi o primeiro padre que Eduarda viu gozar
com citação de Horácio e Virgílio no original.
(p-104)
Há frases encantadoras como uma inflexão tíbia
que não parecia sair da sua boca ,mas de um ventríloquo
invisível(p-88). Eduarda deixou o vestido escorregar(...)revelando
um perfeito par de seios- duas pêras morenas com uma pequena pitanga
vermelha em cada uma(p-95).
O chefe de polícia tem o sugestivo nome de Severo Pinto e passa
o livro limpando seu pince-nez de lentes escuras , que tanto agrada
Bilac que sonhava em com aqueles óculos escuros esconder seu
estrabismo .
O narrador em terceira pessoa conversa com o leitor e diz
não escutar o que foi que determinado personagem disse(p-103).
As estrelas do título surgem quando Eduarda dá uma bengalada
na cabeça de Bilac ao tentar no hangar onde Patrocínio
construíra seu dirigível,ela foi lá com o padre
disposta, mais uma vez, a tudo,inclusive matar..Num delírio Bilac,num
balão soltado por Victor Hugo(o clássico francês,em
pessoa) vai parar no Monte Parnaso onde encontra Apolo (!) e as musas,
acima das estrelas.
No final do livro uma festança para recepcionar Santos-Dumont
na sua volta ao Brasil, enquanto Bilac e sua turma prendem Eduarda,o
padre e a gangue de capoeiras que eles haviam contratado. Um quiprocó!