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Jorge Luis Borges, Luis Fernando Verissimo e Poe: um jogo de espelhos.Por Moisés Neto. A Companhia das Letras lançou no final do ano 2000 o terceiro romance de L.F. Veríssimo: “Borges e os Orangotangos eternos” (os outros dois são: “O Jardim do Diabo” e Clube dos Anjos”) na coleção Literatura ou Morte, cujo motivo é mesclar um escritor famoso a uma intriga policial. Já foram lançados alguns sobre Kafka e Sade, entre outros. Veríssimo nasceu em Porto Alegre(26/09/1936) e educou-se “principalmente” nos EUA. Não é formado em “nada” e iniciou sua carreira nos departamentos de arte e planejamento gráfico da editora Globo, Porto Alegre em 1966. Seu primeiro livro (crônicas) é de 73, depois vieram “O Analista de Bagé”, “Ed Mort e outras histórias” e, nos quadrinhos, é autor da tira “As Cobras”. Falar do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), cuja cegueira escancarou as portas para mistérios maiores que os visíveis, é seguir a trilha dos seus livros fantásticos, onde constantemente ensaio e ficção misturam-se magistralmente . Seu conto mais famoso chama-se “O Aleph” (um ponto de convergência no universo). “Compreendi uma vez mais que a arte moderna exige o bálsamo do riso”, escreveu Borges. Veríssimo é antes de tudo um humorista. Seu humor é intelectualizado. Suas blagues escoram-se em trocadilhos e hipérboles. Suas metáforas são grotescas: ”O sangue formou um rastro no chão como um lençol vermelho(...) sua voz estava ainda mais fraca, Jorge, e Cuervo precisou se curvar, como uma garça indo buscar um peixe, para ouvi-lo”. Veríssimo relembra : “A paternidade e os espelhos são igualmente abomináveis, porque multiplicam o número de homens”. No livro, o assassinato dos pais dança como sombra nas paredes da trama. O enredo é simples: escritor gaúcho de segunda classe envolve-se em crime durante congresso sobre um autor do Romantismo norte –americano, Edgar Allan Poe , num hotel em Buenos Aires . A “Israfel Society” (fundada em 1937 por um imigrante tcheco nos EUA) junta neste congresso os pro-fessored Xavier Urquiza, argentino católico; Oliver Johnson, americano com tese sobre Poe ; Joachim Rotkopf, alemão que vive no México(por causa do sol de lá) e que tem idéias como: “A conquista da América nunca se dera, os primitivos tinham vencido, sua cultura indolente e fatalista ainda dominava o continente. Só deixavam os brancos pensar que mandavam para expô-los ao ridículo constante. América is the defeat of Europe(...) o México era um lugar para se acostumar com a morte (...Poe é a dissolução final, na necrofilia e na loucura, da imaginação gótica, o último suspiro da sensibilidade européia na fronteira selvagem, antes de ser comida pelos búfalos. Na história das relações da Europa com o Novo Mundo, era difícil saber quem estuprou quem” . Urquiza e Johson odeiam Rotkopf que iria desmascara-los como pseudo-intelectuais naquele “congresso”: “As polêmicas intelectuais costumam ser como brigas de cachorro (...) eles chegam quase a dentadas”(p-25). O romance é narrado em primeira pessoa por Vogelstein, judeu alemão que fugiu do nazismo com a tia Raquel que o protegeu e criou o rebento de Miriam, sua irmã que preferiu ficar com o “monstro” nazista, seu “protetor” (amante). Descobriremos que Rotkopf tem tudo a ver com isso. Inverno de 1985. Urquiza, Johnson, Voglestein e Rotkopf estão no mesmo hotel . Borges é convidado para a cerimônia de abertura do congresso.Champanhe, um japonês atrapalhado, três punhais misteriosos, tequila e é o fim de Rotkopf:duas punhaladas no ventre e uma no pescoço durante a madrugada. Trancado por dentro, como num conto de Poe(“Os Crimes da Rua Morgue”). Quem matou Rotkopf? Entra em cena o inspetor Cuervo (como “O Corvo” do poema de Poe) e Borges com Voglestein - que já traduzira Borges para o português e ousara remexer nos seus contos - vão tentar resolver este “mistério”. O livro é composto por sete partes e é, como já dissemos, uma espécie de jogo de espelhos trincados por golpes de intelectualidade . Isto é, Veríssimo escora- se em textos alheios bem ao modo da literatura pós-moderna . O crime é pretexto para devaneios intelectuais . As referências são básicas . Por exemplo: “Cuervo”(o inspetor), “Alef” (o gato de Vogelstein) e o “escaravelho dourado” (várias vezes, sem razão nenhuma -só para despistar citando Poe) na composição da trama. Sobre ser um péssimo tradutor de Borges, o narrador se defende: “Quem notaria as mudanças, numa tradução para o português de uma tradução para o inglês de uma história escrita em espanhol por um ar-gentino desconhecido que deveria era agradecer pelo sangue e o engenho acrescentado ao seu texto ?” (p-18). É ou não é “uma cola” grotesca? Como diria Borges: “O Aleph é um dos pontos de espaço que contêm todos os pontos(...)o lugar onde estão , sem se confundirem, todos os lugares do mundo vistos de todos os ângulos(...) um copinho de falso conhaque e mergulharás no porão(...) em poucos minutos vês o Aleph. O microcosmo dos alquimistas e cabalistas (...) milhões de atos agradáveis ou atrozes...”. Veríssimo produziu uma colagem brincalhona onde por fim das forças quis unir Borges, Lovecraft (escritor de mistério norte-americano ) e Poe num jogo misógino: a tia do narrador deixou que ele se casasse para “não ter que compartilhar seu protetorado”. Ele já está com 50 anos - Borges também preferia a mãe ao casamento, que só realizou aos 68 anos com Elsa Millán, divorciando-se três anos depois e terminando a vida ao lado de sua então secretária Maria Kodama. O personagem de Joachim também é um “pai/ amante” desnaturado, o que lhe será fatal. Mas este romance não é psicológico. A narrativa é uma longa carta para Borges, que nunca respondera as outras do narrador que queria um pouco mais de atenção do mestre. O último capítulo é “escrito” por Borges a pedido do narrador, e o argentino, à beira da morte (1985), aponta o culpado (então, temos dois narradores) e escreve, referindo-se a si mesmo e ao narrador como personagem: “ Eu e Borges, interrompendo nosso trabalho no tratado final dos espelhos, viajando para Genebra, onde morreremos o ano que vem. Ou eu morrerei” ( o que bate com a biografia de Borges, que morreu em 86, Genebra ao lado de Maria Kodama). “Borges” também deixa um recado para “V” (o narrador): “Mesmo as histórias mais fantásticas, meu caro V., requerem um mínimo de verossimilhança”. Pois é, há um atropelo de erros, na narrativa de Veríssimo que demonstra insegurança no seu desenvolvimento. Uma hora diz que havia 4 cartas de baralho(p-39) ao lado do morto, depois são 3 (p-46). Se “a vaidade intelectual” é uma “força mais destrutiva que as outras, conhecidas ou ocultas”, ou se o cristianismo pertence à “história das superstições judaicas”(p-109), o “frio” e “neutro” narrador volta ao Brasil feliz por ter ficado “amigo” do seu ídolo : ” e Cuervo saiu, me deixando a sós com você(Jorge), no paraíso” (p-58). Resta-nos Poe, Borges e os Orangotangos Eternos, um devaneio sobre a possibilidade de tais animais escreverem um dia... voltar ao menu de estudos literários |
Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco). |