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Ascenso Ferreira e Jorge Amado: O povo no poder!por Moisés Neto Pernambucano nascido em 1895 na cidade de Palmares, Ascenso Ferreira faleceu em Recife no ano de 1965. Inicialmente preso aos moldes parnasianos, assumiu o modernismo em 1922 e em 1927 lançou seu livro de poemas "Catimbó"; em 1930 foi a vez de "Cana Caiana" . Em 1951, uma edição luxuosa contendo as duas obras citadas e um terceiro livro "Xenhenhém" , além de um disco com melodias para os poemas. São poemas que pedem um público ouvinte, daí dizer- se que sua poesia é mais para ser recitada e ouvida do que impressa e lida . Quem não ouviu Ascenso dizer, cantar , declamar, rezar, cuspir, dançar, arrotar seus poemas, não pode fazer idéia das virtualidades verbais nelas contidas , do movimento lírico que lhes imprime o autor. Assim , em `Sertão´, quando ele começa : `Sertão! -Jatobá ! / Sertão! - Cabrobó !/ - Ouricuri!´ . A palavra `sertão´ é pronunciada em voz de cabeça , como um prolongado grito de aboio , ao passo que `Jatobá´ e `Cabrobó´ caem pesadamente do peito, sinistramente escandidas (separadas) , evocando desde logo a caatinga . E o resto vem vindo quase sussurrando , um recolhimento quase religioso(...), um sortilégio evocativo tanto pelo ritmo como pela musicalidade. De repente, eis que o poeta abandona o verso livre, o vozeirão catastrófico e assume o tom dançarino , a cadência de quem vai pastoreando reses mansas: `Lá vem o vaqueiro, pelos atalhos, / Tangendo as reses para os currais// Blém... blém, cantam os chocalhos/ Dos tristes bodes patriarcais.´ Esta passagem sem preparação do verso livre para os metrificados constituem a característica da forma tão pessoal de Ascenso. `É lamp...é lamp...é lamp.../É Virgulino Lampião...// E O urro do boi no alto da serra,/ para os horizontes cada vez mais limpos,/ tem algo de sinistro como as vozes/ dos profetas anunciadores de desgraças...// - O sol é vermelho como um tição !// - Sertão ! / Sertão! ´. "Ver e sobretudo ouvir Ascenso, é viver intensamente no mundo dos mangues do Recife, do massapê e das caatingas, das cavalhadas, pastoris, maracatus, vaquejadas (...) Ascenso identificou- se com o homem do povo de sua terra mesmo quando este é o cangaceiro que a fatalidade mesológica (do meio onde vive) marcou com o estigma do crime" , afirmou o recifense Manuel Bandeira. O Sertão estava no sangue de Ascenso. O poeta perdeu o pai aos 7 anos, numa cavalhada. Sua mãe, que fora abolicionista , foi sua única professora durante anos. Dos sonetos e baladas, madrigais, até a poesia brincalhona , foi um passo. O "primeiro Ascenso" cismou com o Modernismo de São Paulo, mas aproximou- se de Mário de Andrade e , claro , de Manuel Bandeira . Com Gilberto Freyre, Joaquim Inojosa e Joaquim Cardozo fundamentaram o Regionalismo Modernista em Recife . Se o modernismo paulista aderia aos modelos franceses e italianos, o recifense aproveitou somente o verso livre, o humor , a linguagem coloquial , enfim, pouca coisa das vanguardas de além- mar . "O freguês que não bebe não é bom cristão! / Peia nele, mestre Mateu !´ // E o coro canta em profusão:/ `Se a aguardente era o diabo, pra que bebeu?/ Se o copo era grande , pra que encheu! ´ (...) Se a mulher era o diabo, pra que bebeu/ essa jurema que é o beijo seu! ". "Cana Caiana" é um frege que lembra música popular, embolada. Uma poesia "estranha e doce" de um poeta "legítimo", como disse Luís da Câmara Cascudo, que relembra: Ascenso dava risadas de "acordar os defuntos de Santo Amaro" (cemitério de Recife). "-Viva o arco-íris (...) Vamos pegá- lo (...) fugiu.../ a chuva fina tem carícias de morte.../ Fugiu.../ Para o sul? Para o norte/ - Quem sabe!/ Desapareceu.../ Além...///Vida- Arco- íris também..."(in "Arco- Íris " do livro "Catimbó") . Os engenhos de "fogo morto", os maracatus, a sensualidade da mulher pernambucana, a culinária, a lua, o mar, o frevo, tudo isso mistura- se na poesia deste poeta de Palmares, cujo ritmo é contagiante. "O sino bate,/ o condutor apita o apito, / solta o trem de ferro um grito,/ põe- se logo a caminhar...///- Vou danado pra Catende/ Vou danado pra Catende/ Vou danado pra Catende / com vontade de chegar// Mergulham mocambos/ nos mangues molhados ,/ moleques mulatos,/ vêm vê- lo passar.// -Adeus, -Adeus// Mangueiras , coqueiros, cajueiros em flor,/ Cajueiros com frutos/ já bom de chupar...// - Adeus, morena do cabelo cacheado!/ (...) Mangabas maduras ,/ mamões amarelos(...)o Pai- das Mata! (...) a casa das Caiporas! (...) Meu deus! Já deixamos a praia tão longe.../ No entanto avistamos outro mar ...(...) Cana -caiana / Cana roxa/ cana -fita/ todas boas de chupar" (in "Trem das Alagoas" de "Cana- Caiana"). * * * Jorge Amado de Faria nasceu em Ferradas, município de Itabuna, Bahia, em 1912.Romântico e sensual, este filho de plantador de cacau levou vida de boêmio no final dos anos 20 em Salvador. Cursou Direito no Rio e publicou seu primeiro livro , "O País do Carnaval", em 1931 (Resumo: Paul Rigger é um intelectual brasileiro que se formou na Europa, adora o Brasil, mas não consegue se acostumar novamente e volta para o velho continente). Jorge torna- se "esquerdista" e publica "Cacau", 1933 (Critica a exploração dos trabalhadores pelos donos das terras de plantações de cacau. O romance busca agradar às massas populares). "Suor", 1934: Polícia persegue os trabalhadores dos bondes que faziam greve. O cenário é Salvador e mendigos, malandros e meretrizes, tão presentes em outras obras do mestre baiano, já aparecem nesse romance. "Jubiabá",1935: Antônio Balduíno, Baldo, órfão da periferia ,é criado por ricos, mas prefere a rua. Briga para ganhar dinheiro. Trabalha como agricultor, depois num circo e por fim torna-se operário, engajando-se na luta por melhorias sociais. Jubiabá é seu pai - de - santo. .Lindalva ,filha dos seus pais adotivos, sua amada , casa com um homem rico que lhe desgraça a vida . Em "Mar Morto" ,1936, Amado exibe sua devoção pela religião africana e pela Bahia, terra mágica e poética. "Capitães da Areia",1937 : Meninos órfãos, ou que fugiram de casa vivem no mundo do crime a dura realidade do litoral , do porto de Salvador. Contravenções e maldades. O chefe é Pedro Bala, que de pequeno marginal, conscientiza - se politicamente dos seus compromissos de cidadão que luta por uma sociedade mais justa. "Terras do sem fim" (43) e "São Jorge dos Ilhéus"(44) têm como tema a região cacaueira da Bahia, a ganância dos latifundiários. Lutas sangrentas, traições conjugais, coronelismo, brigas entre estes "coronéis" e os exportadores e a falência dos produtores no jogo do mercado inescrupuloso . "Seara Vermelha" (46) tem como personagem central um jagunço perigoso, Zé Trovoada, que é joguete das forças conservadoras , os proprietários, contra as dos trabalhadores. Em 1946, Amado era deputado pelo partido comunista e exilou- se na Europa e Ásia . Quando voltou, publicou a série "Os Subterrâneos da Liberdade" . Em 58 , com "Gabriela, Cravo e Canela" , é acusado de pieguice e de estereotipar seus personagens, cometer erros de português ao imitar a fala do povo, além de abusar de palavrões. Entre fazendeiros , exportadores e comerciantes, surge a retirante Gabriela, que se casa com Nacib e trai o marido com Tonico Bastos, um filho de "Coronel". Nacib a aceita de volta mas, só como amante e empregada. "Dona Flor e seus Dois Maridos"(67) também é uma crônica de costumes, como "Gabriela" : Dividida entre o espírito do primeiro marido falecido (Vadinho) e a formalidade do segundo (Teodoro) , Flor vê sua vida de quituteira transformada num "inferno". Macumba e culinária na Bahia de Todos os Santos. Sensualidade e malícia nos encantos de Florípedes . "Teresa Batista Cansada de Guerra" (73) e "Tieta do Agreste" , são prostitutas . A primeira é levada ao assassinato no meio de tanta injustiça social, e Tieta é um folhetim picante sobre uma mulher que volta à antiga cidadezinha natal sem contar que é dona de bordel na "cidade grande". voltar ao menu de estudos literários |
Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco). |