Um Certo Érico Veríssimo.

A novela "Um Certo Capitão Rodrigo" ,parte de "O Tempo e o Vento", do escritor gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975), faz parte da segunda fase da carreira do escritor, carreira que se iniciou em 32 com a publicação de "Fantoches" (contos).

A primeira fase foi iniciada em 1933 com "Clarissa", seguindo-se "Música ao Longe"(35),Um Lugar ao Sol"(36),"Olhai os Lírios do Campo"(que é um dos seus romances mais famosos. Narra a história de Eugênio e Olívia, médicos . Presente e passado se alternam, criando dois planos para o romance : Ele num táxi indo para o hospital. Ela morre. Eugênio que a amava, só casou com Eunice para vencer na vida . O mundo é frio. Eugênio de infância extremamente pobre, humaniza-se e pensa em lutar por um mundo melhor-1938),"Saga"(40) e "O Resto é Silêncio"(43). Nesta fase Veríssimo ambienta suas tramas no espaço urbano e contemporâneo.

Já a segunda fase é marcada por uma obra cíclica, de cunho histórico -regionalista . Uma série de novelas que agrupadas em três blocos compõem "O Tempo e o Vento": Um panorama da história do Rio Grande do Sul. A reconstituição das origens e os episódios da formação social desde os séculos XVIII / XIX até a Segunda metade do século XX.

A terceira fase mostra um autor mais engajado com a vanguarda da literatura latino- americana. Demonstram a preocupação política e o aproveitamento do surreal e do fantástico (Anos 60/70).Fazem parte desta etapa: "O Prisioneiro"(67), "O Senhor Embaixador" (65) e "Incidente em Antares" (71). Em 73 publicou seu livro de memórias: "Solo de Clarineta".

"O Tempo e o Vento" divide- se em:

I-O Continente(1948-Inclui: "O Sobrado", "Ana Terra" e "Um Certo Capitão Rodrigo"). Colonização do Rio Grande do Sul. Guerrilhas, assaltos dos espanhóis da fronteira. Formação de cidades, estabelecimento das oligarquias. As novelas são unidas por cantos (poéticos) folclóricos/populares. A região de Santa Fé é ponto de convergência e irradiação. As famílias Amaral, Terra e posteriormente os Terra- Cambará envolvem-se em brigas mirabolantes políticas e pessoais. Federalistas versus republicanos (1893).

II- O Retrato (1951). Segunda parte da trilogia aborda os anos de 1909 a 1915. O panorama dos dois séculos anteriores desenvolve-se, amplia-se e sugere o princípio do Estado Novo . Rodrigo Cambará é getulista , vive entre Santa Fé e Rio de Janeiro. Percebe-se por toda a narrativa o foco sobre a degradação lenta e progressiva dos valores morais rio-grandenses.

III-O Arquipélago (1961) Santa Fé novamente serve de ambientação. O ano é 1945. O sobrado dos Cambarás se transforma em "Ilhas" de incomunicabilidade. Veríssimo joga com o tempo nos diversos níveis na narrativa. No capítulo final, Floriano Cambará começa a escrever o romance que seria intitulado "O Tempo e o Vento".

O que notamos em Érico é o uso convencional da linguagem e que ele vacila um pouco na concepção dos personagens.

Em "Um Certo Capitão Rodrigo", por exemplo, vemos uma forte influência naturalista que se alastra por todo o romance, contaminando-o com um materialismo impressionante. A ótica panfletária permeia uma estética que beira o romantismo o tempo todo. Em 28 capítulos acompanhamos a chegada do Capitão Rodrigo a Santa Fé.

Ele é obcecado por sexo e por levar uma vida selvagem, o que não o impede de conspirar contra o governo imperial (Pedro I e Pedro II), por pura diversão, como ele mesmo afirma várias vezes. Casa-se com Bibiana Terra, neta de Ana Terra, têm com ela três filhos: Bolívar, Leonor e uma que morreu, Anita. Na morte desta menina Rodrigo, um homem que pensava muito no próprio prazer, estava bebendo, jogando e divertindo-se e seu comentário quando foram chamá-lo foi : "Que morra!".

Bibiana tem "boca carnuda, lábio inferior mais espesso que o superior, faces coradas como uma fruta madura, seios pontudos, rijos e quentes . Apalpá-los seria o mesmo que apertar duas goiabas maduras"- não satisfeito em comparar homens a animais, Érico vegetaliza seus personagens.

A "potranquinha arisca" é devota de Nossa Senhora da Conceição, padroeira dos santa-fezenses. Como esposa é completamente submissa até em relação ao adultério, cachaça, jogo, vagabundagem: "Ele é meu marido e eu gosto dele". Ela é filha de família importante, os Terra, rivais dos Amarais , que dominavam a região. Os costumes do Rio Grande do Sul, comidas , roupas etc, são exibidos de forma dinâmica.

Rodrigo Cambará é ateu convicto: "Se Deus é grande, a vontade de viver é maior". Pai decidido: Se o filho lhe sair maricas, ele diz: "Atiro nele no primeiro perau que encontrar no caminho". Sobre a escravidão argumenta: "Sou contra só por uma coisa :não gosto de ver homem rebaixado por homem. Ele representa o herói extremista: Luta contra os desmandos das portuguesada de Pedro I, enfrenta os chefes políticos, e morre em combate durante uma revolução. Inicia-se o clã dos Cambará- Terra, a partir dos seus filhos. A saga continua.

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Moisés Neto

Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco).


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