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Análise do livro "A Dádiva dos Judeus " de Thomas Cahill por Moisés Neto. A DÁDIVA DOS JUDEUS de Thomas Cahill (Editora Objetiva. 305 páginas. Publicado em 1999 . RJ) é um daqueles livros que, a exemplo dos escritos da professora Camille Paglia, misturam o erudito e o popular de forma inusitada. Composto de 7 capítulos, é escrito numa linguagem simples e que busca a comicidade a todo instante, Seu autor estudou com os maiores especialistas em Literatura e estudos bíblicos dos EUA e foi diretor da Editoria de livros religiosos da Doubleday.Se Deus nos expulsou do Paraíso muito antes de nascermos por causa de uma coisa que Adão e Eva fizeram, nós cristãos vivemos de algo que perdemos e que sabemos que vamos perder por sermos tão pequenos diante de Deus, exigimos de nós mesmos coisas tão terríveis, como por exemplo a transcendência, o eterno, a busca de uma pedra filosofal que desmistifique esse mundo tão chatinho que nos cerca, no qual não há conclusão para nada . Será que devemos sacrificar nossos Egos por uma causa que, no entanto nos responsabilizará por nossos erros individuais? Questiona o autor em certa parte do livro e continua com admirável verve : "Os americanos descobriram os meios mais terríveis de destruir outros seres humanos, porém os judeus promoveram um banho de sangue na conquista da terra prometida também. A conquista de Canaã é pavorosa: os judeus passam à espada homens, mulheres , jovens e velhos, bois e carneiros, incendeiam povoados inteiros e saqueiam tudo de valor. Os empoeirados que fugiram do Egito e passaram 40 anos no deserto mostravam-se audazes guerreiros. De Moisés aprenderam o categórico imperativo kantiano do "Dever Fazer" e com o descanso aos sábados , proposto nos dez mandamentos, tornaram moda a compreensão israelita do tempo. E com todas aquelas ordens a respeito do que é certo fazer, os judeus não perderam tempo em transgredi-las." Thomas sugere que todos nós temos na vida um momento de insight muito forte, todos teríamos nosso Monte Sinai ( página 181).Com a tomada de Jericó em 1200 a C , Israel passa de tribos a nação. O Sinai foi uma experiência misteriosa além-túmulo que "parou o tempo", que de alguma maneira fez com que se atravessasse o presente sujo e tumultuoso , um INSIGHT que, se permitido, sustentaria os judeus para sempre: "Nada do que é verdadeiro, belo ou bom faz total sentido em qualquer contexto da história, portanto temos que ser salvos pela fé", sugere nosso escritor. Depois de tomar posse da terra e ameaçar os vizinhos, os israelitas decidiram que precisavam de um Rei, já tinham Deus, precisavam agora de uma "unidade visível". Foi quando Deus falou através do Profeta Samuel e escolhem Saul, o Belo. ("Não havia ninguém mais bonito", declara o Livro de Samuel , na Bíblia) . Depois veio Davi que, para casar com a filha de de Saul, teve que lutar bravamente e ...trazer 200 prepúcios de 200 filisteus. Por esta proeza, Davi ficou mais querido para os israelitas do que pela morte de Golias (página 194). Após a morte de Saul , Davi é consagrado Rei aos 30 anos e com fama de bom escritor em Canaã, a partir de então chamada ISRAEL. Davi teve várias esposas e concubinas . Ele uniu a nação. "Davi dançou rodopiante diante de Deus ( "YHWH " - O NOME DE Deus era impronunciável) com toda a sua pujança, usando uma tanga" (página 202), ofereceu holocaustos e sacrifícios em ação de graças. Morre Absalão, seu filho mais querido e que tentou roubar-lhe o trono várias vezes. Davi então engravida Betsabe, a mulher de um soldado seu. Manda o marido da amante para uma missão mortal na guerra onde o coitado morre. Davi pede perdão a Deus. Nasce o fruto do adultério: SALOMÃO é o seu nome e ele será o novo rei, chegando ao poder por meio de uma trama de sua mãe, Betsabe e do profeta Natã. Salomão teve 700 esposas e 300 concubinas. Uma das suas esposa era a filha do faraó. Se Davi venceu os filisteus , Salomão buscou consolidar Israel, forçou os israelitas ao trabalho, pôs- se a cobrar impostos exorbitantes e deixou uma DESORDEM atrás de si, para seu filho Roboão administrar .(página 217) Thomas Cahill prossegue na sua devassa aos arquivos judeus: "Roboão destruiu Israel" com sua falta de autoridade . Os judeus então começam a esperar a chegada do Messias. Cresce a "crença continuamente detalhada de que um dia Deus enviará seu verdadeiro representante, que virá salvar seu povo". Usando o primeiro alfabeto inventado no mundo, pelos vizinhos do norte de Israel, os semitas da Fenícia, escreve-se a Torá. Os Salmos de Davi, as histórias antigas, tudo depois seria também chamado de "Bíblia", um conjunto de livros. No 2º semestre do século IX AC, sobe ao trono Acab (nome sugestivo em português, não ?) e sua poderosa rainha fenícia, JEZEBEL, que o LIVRO DOS REIS retrata como uma "prostituta pintada", adoradora de BAAL, deus cananeu da tempestade. Baal, o touro! Foi a decadência de Israel. Deus fora perturbado em sua unidade. Os assírios invadem tudo, destruindo nobres e pobres: O povo de Israel simplesmente evaporara, dez tribos perdidas. O profeta Isaías avisou:" Deus afugentará o povo e o país ficará completamente abandonado" . Nabucodonosor, rei da Babilônia, que eclipsara a Assíria com a política de poder da Mesopotâmia, derruba Jerusalém e os judeus passam 70 anos como escravos. Sedecias é o último rei de Judá. O profeta Sedecias consola, dizendo que Deus avisou: "Eu os trarei de volta e os reunirei". Às margens do Eufrates e do Tigre, os judeus sentaram, choraram e meditaram sobre o seu destino: se Deus destruíra sua identidade, o que mais poderia querer deles? " (página 236). Quando os babilônios foram derrotados pelos persas, Ciro, em 538 AC, divulgou um decreto autorizando os judeus a partir. A coisa mais preciosa, no meio de tanta riqueza acumulada , que os judeus levaram da Babilônia foi a literatura, oral e escrita, "a literatura da sabedoria. A "distância cultural que os judeus conseguiram ter de sua literatura antiga os capacitou a lê-la com um discernimento mais aguçado". Na nova literatura, no "Cântico dos Cânticos", o amor é tão intenso quanto a morte. Grandes distâncias não podem extinguir o amor , e a relação Deus- Homem tornou finalmente possível a relação genuína entre dois seres humanos. NO "LIVRO DE RUTE", AS PERSONAGENS PRINCIPAIS SÃO TODAS MULHERES , "Rute é quase como uma heroína de Jane Austen" , arrisca Thomas, "pelo seu jeito de maquinar", conclui. Rute é escritora e suas histórias , como outras da Bíblia, passaram de geração a geração. A história do Deus, cujo nome significa "eu estarei lá" (YHWH) , o Deus com quem se pode contar, que escreveu suas leis no coração dos homens, um Deus que só aceita como oferenda a justiça e a compaixão com o próximo. Diz Joel, um profeta tardio : "Derramarei o meu espírito sobre toda a humanidade e vossos jovens terão visões". Ao lermos o livro "A Dádiva dos Judeus" , a impressão que nos fica é a de que "é praticamente impossível nos levantarmos de manhã ou atravessar a rua sem sermos judeus. Sonhamos sonhos judeus e temos esperança judias. A maior parte de nossas melhores palavras , de fato - NOVO, AVENTURA, SURPRESA, EXCLUSIVO, INDIVIDUAL, PESSOA, VOCAÇÃO, TEMPO, HISTÓRIA, FUTURO LIBERDADE, PROGRESSO, ESPÍRITO, FÉ, ESPERANÇA, JUSTIÇA - SÃO DÁDIVAS DOS JUDEUS". Exageros à parte, os judeus ensinaram uma maneira completamente nova de viver a realidade e sua crença surgiu como a melhor alternativa para as visões que as religiões antigas tinham do mundo. Mesmo que alguns acreditem que a Bíblia seja só o registro de uma " família" ao longo de dois mil anos em suas contradições e confusões, glorificando a si mesma. O autor termina o livro fazendo citação a Dom Helder Camara e a outros que usaram o saber do livro sagrado para o bem da humanidade, acusando o capitalismo e o comunismo de serem filhos bastardos deste saber no sentido de exigirem dos seus adeptos que nunca percam a fé no futuro e arremata: "SEM DEUS , CADA UM É UMA FORMA DE LOUCURA". E sentencia "Sem justiça
não há Deus". |
Professor com pós-graduação em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco). |