O poema de Moisés Neto põe em abismo a crítica acadêmica ou canônica recifense, que se negou emitir qualquer juízo, por escrito, acerca da obra. Com exceção da doutora em Teoria da Literatura e poeta Lucila Nogueira e da professora (pós-graduação em história) Ivete Ferreira.
Certamente os críticos se calaram para não pôr em risco sua reputação de arautos conhecedores da verdade absoluta de fazer poesia, como se isso ainda fizesse sentido diante de um mundo tão conturbado e de fronteiras literárias movediças deste início de século, principalmente depois do incidente de 11/09/2001, quando dois aviões conduzidos por guerrilheiros de uma organização terrorista foram lançados contra as torres do World Trade Center em New York e sobre o Pentágono. Tal incidente é o eixo demarcador da narrativa moisesnetiana.
É claro que Notícias Americanas têm seus percalços como todo poema longo, principalmente quando se privilegia a narrativa ou a fábula em detrimento do fazer poético tradicional. O mais importante é que Moisés tem consciência de sua função de rapsodo dos novos tempos, de que a poesia precisa servir à linguagem, à musa desse tempo, criando formas próprias ou dando evasão à estrutura do poema reportagem que se aproxima da narrativa jornalística.
Reconhecemos a tradição secular da epopéia, mas o poeta de hoje não tem que se submeter rigidamente aos modelos da estrutura, às formas ou padrões de beleza da épica helênica. Mais ou menos 1.500 anos antes das narrativas homéricas, foi escrita a Epopéia de Gilgamesh e, provavelmente, bem mais antigos do que esta rapsódia, são os autos sagrados dos orixás, a mitopoética da África Negra. Assim, cada povo cria a sua linguagem conta a história do seu tempo ao seu modo, suas necessidades sociais ou históricas.
Notícias Americanas é um poema de fôlego com seus 2.476 versos longos e rimados, versos de quem têm pulmões de guerreiro, de tri-atleta da poesia. Nessa época de reportagem, em tom de noticiário, dirigida ao mundo atual sedento de informações, de furo de reportagem e notícias bombásticas, Moisés narra na primeira pessoa, no lugar de cameraman, como se fosse um voyeur do mundo virtual e informatizado. O discurso é permeado de ironia contra a máquina de guerra norte-americana.
Em Notícias Americanas, o poeta-repórter registra também, além dos conflitos bélicos do mundo árabe, outros em que os Estados Unidos estiveram envolvidos, atraindo para si as conseqüências do vaticínio de 11 de setembro.
A perspectiva do narrador tende para a visão dos povos molestados pelos EUA, é sob essa ótica que o poeta vê o mundo e conta os episódios.
Se há algum herói nessa épica do século XXI, trata-se de um herói coletivo sem rosto definido, representado pelos povos das nações periféricas que em algumas circunstâncias, hostilizadas pelos States.
O POETA E DRAMATURGO
Moisés Neto faz uma listagem das atrocidades do regime imperialista do governo norte-americano, dos crimes que se iniciam com a bomba de Hiroshima e Nagazaki até fatos mais recentes das guerras em que os EUA estiveram envolvidos culminando com o infortúnio do 11 de setembro.
O poema de Moisés também preserva alguns elementos da épica tradicional como a proposição: Vou contar os acontecimentos de uma guerra é o conflito Américo-afegão desde 11/09/01; a invocação: Invoca forças cósmicas e terrestres para ajudar minha escrita; e outros elementos da rapsódia Antiga. Essa rapsódia imprime a forma pessoal de narrar do poeta. Assim, creio, o que valoriza, sobretudo, uma obra de arte hoje não é o puritanismo formal, mas o abrir caminhos para novas maneiras do contar e cantar poéticos que atualiza a tradição com seu viés híbrido, respeitando-se a autonomia e a cosmologia do versejar, as diferenças ético-culturais do discurso literário, as particularidades do autor, sem se cogitar do confinamento da poesia nas estruturas fixas ou hegemônicas euro-ocidentais.