Livro "on-line" reconta trajetória de Chico Science
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'A Rapsódia Afrociberdélica'' baseia-se em análise literária apresentada como dissertação de mestrado

Cláudia Lessa

A análise literária da obra do artista que contribuiu para reposicionar Pernambuco no cenário cultural do Brasil e do mundo é a proposta do livro digital Chico Science - A rapsódia afrociberdélica (Edições Ilusionistas/Editora Comunicarte), do escritor, dramaturgo e professor recifense Moisés Neto. Como forma de atingir um maior número de leitores, o trabalho ganhou uma versão on-line, cujo lançamento aconteceu durante a 53ª Reunião Anual da SPBC, realizada em Salvador. O acesso virtual à edição se dá pelo endereço www.moisesneto.com.br.

Focalizar Chico Science e o mangue beat em livro foi conseqüência da determinação de Moisés Neto, 40 anos, de escrever sobre uma temática pop. "Quando Recife, considerada nos anos 80 a quarta pior cidade para se viver, teve sua auto-estima elevada a partir de Chico, decidi me debruçar sobre o movimento que propunha misturar rock, folclore, contracultura, cibernética e tantas outras coisas num só caldeirão. Hoje, é impossível falar de tendência cultural contemporânea sem citar o mangue beat", diz.

No prefácio, Moisés assinala: "Minha atração por este tema veio talvez do fato de ver em Chico um domador da inveja recifense e construtor, aos trancos e barrancos, de uma obra conceitual, isto é, ele ambientou sua produção num só tema, o mangue beat". Para o autor, o poeta-caranguejo "domesticou o instinto, de certa forma destruidor da bela e perversa Recife". Caboclo psicodélico, Chico Science "foi um contador de histórias que tratava o tempo como um brinquedo e tentou expressar sua mensagem através de uma linguagem corporal, de expressões faciais e versos bem dinâmicos, magnetizando".

Resultado da monografia de pós-graduação em literatura de Moisés Neto, Chico Science - A rapsódia afrociberdélica teve suavizados seus aspectos mais acadêmicos para ser editado em livro (190 páginas). A cargo do jornalista Ricardo Valença Monteiro, a edição eletrônica (alguns trechos podem ser lidos gratuitamente) ficou ainda mais fácil de entendimento, já que foram cortados todos os excessos próprios de uma dissertação, segundo o autor. "Meu maior objetivo é levar para os jovens, através de uma linguagem acessível, numa visão moderna, a análise da poesia de um cara que revitalizou a cena recifense a partir da universalização das nossa raízes", explicou.

O título do livro é sugestivo e, conforme o autor, foi muito bem pensado. Rapsódia, referiu-se Moisés Neto, tem relação com os cantos originários do povo. "Chico Science se inspirou muito nas artes populares para compor sua poesia". O segundo e último CD do cantor e compositor pernambucano, um dos idealizadores do repercutido movimento mangue beat, chama-se Afrociberdelia: um disco de forte influência na cultura africana e movido de som psicodélico.

Didático, o livro aborda temas como A obra de Chico Science e a cultura popular, Pós-modernismo e Experimentalismo na obra de Chico Science, Pop: a cena recifense no contexto pós-moderno, O cangaço e o mangue e A moda, a dança, o cinema, as artes plásticas, a fotografia e o vídeo: formas de expressão artística do mangue. "Moisés Neto explora o pós-modernismo na obra de Chico Science e mergulha na nova cena recifense/pernambucana destacando a relação entre o popular e o erudito, o negro e o índio, a metrópole e o mangue", registrou a professora Lucila Nogueira em seu texto de apresentação.

Moisés Neto acompanha há muitos anos a metamorfose cultural pernambucana. Ele conta que viu de perto o nascimento do mangue beat: "Por volta de 1984, costumávamos freqüentar o bar Mustang, na Conde da Boa Vista. Do outro lado da avenida, havia um prédio abandonado. Lá um grupo de rapazes sempre se reunia para dançar break (estilo de música e dança originada nas ruas de Nova York). Um desses garotos, eu soube depois, era Chico Science".

Desde então, Moisés passou a observar atentamente a trajetória do músico que virou ídolo pop, admirado pelo seu talento de neutralizar a crueldade do Recife. "O que mais me encantava nele era o seu humor, a sua ginga e simplicidade, a sua dignidade para sorrir". A partir de 94, o professor passou a pesquisar sobre o mangue beat, já objetivando escrever o livro. Para Moisés, Chico deixou um grande ensinamento: "É possível revitalizar a cultura popular por meio de sua universalização".

Publicado no jornal Correio da Bahia, Salvador, 26.07.2001.




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