Cai O Pano
um conto de Moisés Neto
Numa pouco freqüentada rua de Casa Amarela há uma velha casa rodeada por um estranho jardim. Apenas dois empregados de aparência nada convencional cuidam da manutenção do imóvel. O dono raramente aparece e os vizinhos já nem ligam parra isso. Foi neste lugar, às cinco horas da tarde de um dia nublado de junho, onde Ângela foi parar seguindo um anúncio de jornal. Acabara de fazer um curso de teatro e no recorte em sua mão diziam que ali precisavam de uma jovem atriz. Bateu palmas e esperou. Logo apareceu alguém que parecia um empregado e conduziu a jovem a uma requintada sala onde um casal a esperava. O empregado retirou-se, não sem antes observar a recém-chegada com um certo olhar de soslaio.
- Foram vocês que botaram anúncio no jornal procurando uma atriz? - suspirou esperançosa. - Exatamente - Então você é candidata? - Como é seu nome? - Ângela... senhor... Eu faria tudo por uma boa chance de mostrar o meu talento. - Minha filha, você nasceu no interior? - Não. Em Recife mesmo. Vim assim que vi o anúncio no jornal. Peguei um táxi... - Você não imagina até onde vai nossa influência. Por isso muita gente nos procura. Muita. - Ela parece tão jovem...jovem demais para o papel. - É de mim que o público precisa. Eu sei disse a novata ofegando mais uma vez. - Hum - resmungou a assistente de modo entediado. - Só depende de você. - Se você for boazinha com a gente... - O que é que eu tenho que fazer? - Digamos que... decorar um papel numa espécie de teatro. - Que história é essa? - Uma senhora está sofrendo muito porque acha que o filho tem um certo problema sexual e queremos que você faça, digamos assim, o papel de noiva dele. - É. Hoje em dia isso é um negócio muito comum - rosnou a assistente. - Muito - concordou a menina, que já vira muito isso em filmes e novelas- E onde esta senhora e este filho dela moram? - Na Alemanha. - E eu tenho que viajar? - perguntou, surpresa e fascinada ao mesmo tempo - Eu não sei falar alemão. - Que curativo é esse no seu rosto? - a assistente se aproximou da jovem e fez expressão de asco. - Fui assaltada na ponte da Boa Vista, corri atrás do ladrão, briguei com ele, peguei meu celular, chamei um policial e sabe o que ele disse? Que estava ali enxugando gelo, eu que me virasse ou se quisesse poderíamos ir a uma delegacia e prestar queixa, mas precisava de testemunha e isso ia demorar um tempão e não ia adiantar de nada mesmo. - Você mora com seus pais? - Meus pais moram em Catende e eu vim tentar a vida no Recife.Quase não conheço ninguém aqui. Consegui emprego numa loja no shopping do Janga, mas eles não pagaram o salário que prometeram e eu saí. Agora estou trabalhando como garçonete num bar. Mas tem uma professora de teatro que está me perseguindo. Eu não tenho nada contra as lésbicas. - Por que você não toma uma providência? - Porque a dona do bar me colocaria no olho da rua. Comecei a trabalhar a semana passada, recebo por comissão. Foi com este dinheiro que peguei o táxi. Faço vestibular no fim do ano e estou freqüentando um cursinho. - Um cursinho? Nossa, que emocionante! - a assistente mal conseguia disfarçar o tédio com aquela conversa tão vulgar. - Você bebe? - Só socialmente. - Está disposta a passar um tempo na Alemanha? - Este rapaz, ele está no Brasil e embaraça daqui a dez dias. Ele disse a mãe que veio buscar a noiva. - Está com medo? - Eu? Com medo de quê? Ângela seguiu pensando: como sua ânsia de ser atriz podia combinar com a estranha proposta que recebera? Duas horas depois estava limpando o bar quando Juliana, a mulher que a assediara entrou, visivelmente bêbada. Olharam-se. - Boa noite, querida. Traz uma cerveja, preciso lavar o estômago. |