Moisés Neto, o produtor cultural
por Albemar Araújo


Nestes tempos ásperos, quando um simples tocar de dedos resulta em trabalho de várias horas, quando a “pena” cede lugar a outras formas de linguagem, quando os vídeos substituem os livros, pego-me (sem nenhuma tendência à apostasia) sentado, frente à parede (nela encontram-se expostos retratos do Quênia e África do Sul, quando lá estive em 1.995, sem cabotinismo) a escrever manualmente, quando lá do outro lado da sala, aguarda-me um computador.

Escrever.

Escrever sobre uma facção de um período (dando um corte sistemático conceitual/temporal/espacial), sobre uma determinada pessoa nesse período – MOISÉS NETO -, que culturalmente passou e viveu intensamente, por uma década (os anos 80), numa forte influência das mudanças sociais, das mudanças políticas, das mudanças econômicas, das mudanças culturais, na qual vivia o país; produzindo intensamente cultura. Uma cultura engajada nas vanguardas do seu tempo. Uma cultura ora chamada de PÓS-MODERNA, ora chamada de MARGINAL, ora chamada de VANGUARDISTA...

É sempre fascinante versar, quer seja na poesia ou na prosa, sobre alguém. Especialmente se este alguém vive e transita entre nós. Longe dos cânones. Sem cetro. Sem coroa. Sem séqüito de vassalos a impedir nossa passagem à sala do trono. E talvez seja mais fascinante por essa pessoa nos proporcionar uma (re) leitura, mesmo que seja em rápidas passadas, de uma época tão recente, cronologicamente falando, e tão esquecida, agora falando culturalmente. Remete-nos este estudo, sem pretensões literárias, científicas ou históricas – quando Ciência -, a análise de um momento dentro da conturbação pela qual atravessava toda a nação, de um momento que poderíamos chamá-lo, mesmo assim, de farto e rico na diversidade cultural apresentada. Diversas tendências se manifestavam de uma forma ou de outra. E a cultura, como um todo, crescia com isso ao romper com uma série de signos e códigos. Toda uma série de acontecimentos rolava, qual caudaloso rio precipitando-se de uma vertiginosa montanha, em cachoeira.

Há quantas andavam a nossa Economia, a nossa Política e a nossa Cultura?

O movimento cultural dos anos 80 ainda estava enraizado nos anos 60/70. nas duas décadas (60/70), a cultura foi marcada por profundas e violentas transformações. Pelas variações econômicas e políticas (pós-68, AI5, etc.). O que ira fornecer fortes bases para o surgimento de um tipo de poesia chamada: POESIA MARGINAL. Um tipo de literatura quase que artesanal, ou seja, onde os poetas e escritores em geral, mimeografavam seus produtos reuniam-se para vendê-los, eles próprios, em bares, paradas de ônibus, teatros, cinemas, boates,etc. (Mimeógrafo, era uma máquina em moda na época, hoje quase sem uso. O Texto era datilografado em um papel especial -chamado estêncil-e duplicado -a álcool ou a óleo. Era a copiadora daqueles tempos – uma coisa bem jurássica). Aqui no Recife, diversos locais foram pontos e/ou sede desses produtores culturais. Tais como: Cervejaria 7 (r. Sete de Setembro – No local funcionava um complexo de Cervejaria, Discoteca, 1Livraria e Teatro. Ali ,reuniam-se muitas pessoas dos meios culturais da cidade. Artistas Plásticos, Atores, Diretores Teatrais, Bailarinos e notívagos em geral. Uma verdadeira vitrine, onde diversos produtos estavam expostos – sendo a cultura o prato principal. Aqui um registro do saudoso diretor teatral Marcos Siqueira (responsável pelo teatro desse complexo), Bar Savoy (Av. Guararapes), A Nova Portuguesa (r. Siqueira Campos), Bar Mustang (Av. Conde da Boa Vista), Gambrinus (Av. Marquês de Olinda) e outros.

Ao longo dos anos 70, um certo tipo de produção poética ficou conhecida como poesia marginal. Esta produção surge exatamente na virada dos anos 60/70 e, certamente, traz as marcas deste período.(1)


No seu artigo publicado na revista Folhetim, Carlos Alberto Messeder Pereira faz um balanço da Poesia Marginal, bem especulativo. Nesse contexto, Moisés Neto aparecia timidamente entre outros jovens intelectuais do Recife. Entre outros, estava com ele, nessa produção lítero-marginal, Manoel Constantino e Rejane Leandro – uma de suas maiores amigas e dona de uma cadeia de boates na zona sul da cidade. Boate Status, por exemplo, era soberana na década de 70.

No espaço entre os seus dentes
restos de almoço
vários lobos foram espalhados
quero te contar como foi:
eles foram soltos com a boca cheia de fome
todos os lobos, eles comeram meus olhos
Eu os vi chegar
dancei e cantei junto do fogo
vi febre nos olhos deles
nos olhos calmos que tinham.
E sabia deles, pois os pressenti sem direção
todos os lobos, eles comeram os meus olhos
atravessaram apressados os campos que
rodeavam minha casa
comeram meus frutos verdes
minhas flores na varanda
sonhos da juventude...
todos os lobos, eles comeram meus olhos


O poema acima (“Todos os Lobos”) circulou pelo Recife, de bar em bar, sendo vendido juntamente com as produções de outros escritores. Este mesmo poema, de Moisés Neto, seria publicado, em 28.03.80, no Jornal do Commercio, Caderno C, p. 2).
Nestas produções, marginais, tudo era permitido. E a literatura, assim distribuída, aparecia nos mais inóspitos lugares. Como se diria no bom português matuto da zona da Mata de Pernambuco: da fábrica ao consumidor. E assim, estava a cultura, sempre entre todas as camadas sociais, pois havia uma gama infindável de posicionamentos nos escritos e que com isso chegavam a agradar, se não a gregos e troianos, a um certo número de pessoas. Desde o mais simples poema de amor ao mais enraivecido poema revolucionário. Havia, como se pode dizer, temas para todos os gostos. No entanto, esse tipo de produção caracterizava-se pela marginalidade também nos temas escolhidos.

Para os jovens recifenses, literatas de então, era fácil encontrar nos diversos assuntos contemporâneos, os temas para seus escritos.

Aí, reunindo tudo isso. Mexendo e (re) mexendo mais, esse agitado caldeirão, em efeverscência constante, ingressava-se nos anos 80. Novas e fortes mudanças permeavam a década. Havia um grande desequilíbrio entre o político e o econômico, o que iria implicar em mudanças na cultura também. Criação de órgãos públicos de apoio à Cultura (anos 70), a queda do AI5, abertura política, o retorno dos exilados, eleições diretas, etc.

E a nossa Cultura Regional, geograficamente falando, vinha de fortes correntes anteriores: Movimento Tropicalista (Salvador/60) e Movimento Armorial (Recife/70).
Moisés Neto fazia parte de um grupo teatral (Ilusionistas), formado por jovens que comungavam do mesmo pensamento. Além dos componentes fixos do grupo (Henrique Amaral, Mísia Coutinho, Paulo Barros, Augusta Ferraz, Simone Figueiredo, Rivaldo Casado, Beto Vieira, Adeilson Amorim – este desenvolvendo um trabalho fotográfico com o grupo -, entre outros), diversos artistas tiveram uma passagem marcante pela trupe (Vladmir Combre de Senna, Fátima Barreto, Ivonete Melo – esta com suas experiências “Vivencialescas”).

Não havia “gurus” no grupo. Todos tinham os mesmos direitos e deveres. Baseavam-se no que liam. E liam muito. Antes de tudo tiveram por base a literatura universal. Pesquisaram todas as formas teatrais do mundo. Estudaram diversas obras e eram seus conhecedores soberanos.

Que jovens se entregavam à Cultura e suas formas e suas origens, num engendrado de estudos e críticas? Pouquíssimos!

Esse jovem, Moisés Neto, alvo da presente análise, buscava juntamente como os demais componentes do grupo, desdobrar a essência das obras (dos gregos, de Goethe, Cervantes, Shakespeare,O´Neil, Shaw, Ionesco, Becket,Nélson Rodrigues,Plínio Marcos, Artaud, entre outros.) e nela se aprofundar. Buscavam não somente a análise crítica, do ponto de vista cultural, mas também o posicionamento sócio-político da obra, em sua cronologia real.

Eram elitistas, culturalmente falando. Para um “papo” com os integrantes do grupo, por exemplo, tinha-se que no mínimo entender do Expressionismo Alemão.

Procuravam viajar para se inteirar das novidades nos campos artísticos. Principalmente no eixo Rio-São Paulo. No entanto, muitas vezes iam ao exterior em busca dessas informações (eram, alguns, bem abastados de família). E nessas andanças viravam o Brasil de ponta a ponta, de festival em festival, na procura das novas tendências. Não se prendiam apenas às artes cênicas, mas a todo o universo artístico (artes plásticas, arquitetura, música, etc.)

No fim da década de 70, mas precisamente em maio de 78, surgia em São Paulo o grupo Viajou Sem Passaporte, cuja proposta era bem irreverente. Quebrava com os signos e códigos sagrados do teatro ao rompes, em primeira instância a barreira palco-platéia. Ao ler matéria publicada pelo grupo, em entrevista/depoimento à revista Arte em Revista, evidencia-se a turbulência artística da época. O Brasil era um imenso turbilhão, onde todas tendências se manifestavam e o universo de variedades era bastante vasto.

O grupo Viajou Sem Passaporte tinha algo em comum com as propostas dos Ilusionistas. Ambos tinham raízes no mesmo chão. Ou seja, as influências evidentes naqueles grupos, podem também servir em Moisés Neto:

Nesse processo, a gente foi descobrindo, em relação ao teatro, que praticamente quase tudo é dispensável l, com exceção do próprio corpo. Fomos nos despojando de tudo. Sentimos que texto de dramaturgo bom era uma aprendizagem constante.pesquisamos muito sobre iluminação e trilha sonora. Teatro não tem a menor necessidade de ter que transmitir idéias... (2)

Moisés Neto viajou bastante pelo Brasil , pela América do Sul ,visitou o Grupo El Galpon (convivendo por quatro dias em Montevidéu com os integrantes do grupo). Um grupo com tendências pós-modernas e que viria a lhe mostrar muita versatilidade na montagem de três textos de Tchekov.

Muito me impressionou o trabalho deste grupo. Suas técnicas.Por exemplo: afogamento de uma pessoa em cena e as soluções encontradas foram muito marcantes. Sempre fui fascinado por soluções cênicas, vê-las me encantou. Exemplo: um cadáver boiando numa piscina na montagem do musical Sunset Boulevard. Ou então as soluções de Gerald Thomas na sua montagem da ópera O Navio Fantasma, de Wagner, que também vi, e jamais esquecerei no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, os incessantes minutos de vaia, que mais pareciam horas, e que o Thomas recebeu nos agradecimentos, entusiasmado e rindo, pela polêmica lançada. Antes pela mídia e tendo seu ápice naquele momento. Isso me remeteu de volta ao grupo (A Ilusionistas), era um jogo parecido que tínhamos aqui. (3)


Aqui no Recife, o encenador Carlos Bartolomeu, com a montagem da peça A Mais Forte, de August Strindberg, deu várias referências ao grupo, que se identificava com os códigos daquela encenação. A rápida solução encontrada pelo diretor, o atraía. Com o mínimo de elementos, encontravam-se as soluções rapidamente. Esse era o tipo de encenação encaixado nos moldes dos seus ditames. Com a encenação de O Arquiteto e o Imperador da Assíria, Arrabal, também pelo diretor Carlos Bartolomeu, viu Moisés Neto, quão difícil era agradar o público notívago.

Vaias e pedras de gelo, poderiam facilmente substituir risadas e aplausos, como foi essa produção escorraçada da Boate Misty, numa total falta de respeito aos artistas envolvidos, dentre os quais a grande Magdale Alves (4).

Disse-me isso, Moisés Neto, em um comovente depoimento, na sua residência no Janga.

Havia uma certa conotação de melancolia, saudosismo (talvez), no seu falar: a gente está chegando ao caos.... (5). O mesmo já se notava no Tropicalismo de Jomard Muniz de Britto.(6) Não se trata aqui de um saudosismo infectado na miséria da vida. Mas uma saudade do que não existe. Uma saudade que põe a alma em dúvida e com isso a excita à criação, rompendo com todos os tratados pré-estabelecidos e lança o homem, qual pássaro num mundo desconhecido e povoado de abutres impregnados da outra saudade (saudade doença), maldade.

Na sua densidade, a vida individual e coletiva é pensada a partir da idéia de um amanhã que deverá existir e que justificará retrospectivamente, o que tiver sido feito para se chegar até esse momento (...) A pós-modernidade marca-se por uma atenção maior com o presente e um desejo de viver intensamente o momento agora e aqui. (7)

Representava então, aquela trupe, algo de novo, de inusitado, para a sociedade local. E lançar no mercado com algo novo, fora dos padrões, era um pouco arriscado. Os anos 80 viam nascer uma forma alternativa de representação teatral. Surgir a busca por novos espaços. A saída dos palcos convencionais, sua intenção era tirar o teatro dos palcos, para bares, boates (8). E o que seria isso então? Em que forma (ou fôrma?) estariam colocados? Eles, da Ilusionistas, não gostariam se quer que isso fosse assim tratado.


... em teatro será o abandono do lugar fixo de representação (reapresentação, repetidas) e sua substituição pelo lugar incerto da apresentação de uma cena, instaurada e não repetidora. (9)


Com a entrada de Vladimir Combre Senna no grupo, viu-se a necessidade de trazer textos sobre improvisar (Escola Alemã), como o saber viver e zombar de quem é idiota. Era necessário dizer coisas que enlouquecessem as pessoas. Diz Moisés Neto.
Em tudo isso havia um presenteísmo muito forte. Um desejo de viver intensamente o momento. E isto é uma marca dentro da pós-modernidade.

Nas suas viagens pelos festivais (nacionais/internacionais), buscavam debater o fazer teatral. Contratavam professores locais e de outros estados para ministrar cursos para os integrantes do grupo, aberto ao público em geral. Uma vez que fazia parte de suas filosofias, literaturizar o público, a população como um todo (Utopia?). E com isso, tinham sempre novas informações sobre tudo que ocorria no mundo cultural.

A Ilusionistas produziu em teatro: A Noite dos Assassinos (do cubano José Triana – Teatro Joaquim Cardoso/84), Punhal (de Henrique Amaral no T.J.C/85) Cleópatra, para um Festival de Humor em 1986, no Apolo e outra peça neste festival da Prefeitura do Recife: O Desobumbrar da Ambunda, encanação de Vládmir Combre. Draculin e o Circo no Espaço (de Moisés Neto no Teatro Apolo Espetáculo Infantil/85), Um Certo Delmiro Gouveia (de Moisés no Teatro de Santa Isabel/85 um musical); em 1987, Henrique Amaral encena Percepção no Teatro do SESC, Hamlet, de Moisés e Ricardo Monteiro (Teatro Valdemar de Oliveira com Moisés no Papel-Título/88). Urânia (de Agusta Ferraz no mesmo T.V.O.), O Horror em Pasárgada (de Moisés, baseado no livro de Mary Shelley, Frankenstein– Teatro José Carlos Borges/89), A Maior Bagunça de Todos os Tempos. de Moisés Neto com direção de Buarque de Aquino, este último também Ilusionistas, encenou esta produção, a penúltima do grupo que fechou as cortinas com La Cumparsita, uma adaptação do romance de Manuel Puig Sangue de Amor Correspondido. Uma montagem com Ivonete Melo, Simone Figueiredo, Black Escobar e Geovane Magalhães. Era o ano de 1991 e horizonte novos ideais acenavam risonhos e convidativos.

Seu humor cáustico, marcado por profunda ironia, talvez não seja apreciado pelos críticos recifenses. A liberdade com que satirizou Faustus, a obra do imortal Goethe, rebatizando-a de “Faustina” e exibindo-a na Boate Misty, rendeu-lhe mais ressalvas do que elogios por partes dos que analisam os espetáculos teatrais (...) Denominando-se um intelectual, Moisés Neto, diz que é muito criticado e mal compreendido na sua intenção de tirar o teatro do palco e introduzi-lo, também, em bares e boates. (10)

Assim versava na época Valdi Coutinho, um jornalista do Diário de Pernambuco, sobre a obra de Moisés Neto. Entre outros textos, Moisés Neto produziu e presenteou “os seus públicos”, com peças de gêneros diversos nos bares do Recife. Entre outros: Depois do Escuro – nome sugestivo, para a marginália. Onde muitos se reuniam, o mundo letrado dos anos 80. Era um ponto de encontro também dos Ilusionistas. Onde debatiam, entre um chope e outro, com os intelectuais a cultura em voga. E onde nasciam, das discussões, as inspirações para novos textos. Cujo público, quase certo, ao ver um espetáculo já aguardava o próximo. Daí a velocidade, pós-modernista, da criação dos textos:

“O QUE TERIA ACONTECIDO COM BETTE DAVIS?” e “SHAKESPEARE ACORRENTEADO” falam de traição, “EVITA-ME Á CUBANA” – fala da decadência de Cuba, na década de 80 – numa análise do autor. “PRAZERES DA REVOLUÇÃO” – uma crítica ao governo militar no Brasil, em sua fase terminal (a queda do AI5, por exemplo). “O BOLO” – uma estória intrigante, contando o casamento entre intelectuais e o novo pensamento pós-governo militar. “COM A VÍBORA NO SEIO” – a impossibilidade de amor entre dois homens, marcada pela diferença de idades e o preconceito. “VERDADES E MENTIRAS” – relata os últimos dias de Tancredo Neves (presidente “eleito” do Brasil. “Eleito” mas não empossado, por motivo de morte. Assume Sarney) sob a perspectiva de um casal de artistas desiludidos e fracassados.

Ora seus textos, ora de Henrique Amaral, falavam de um “aqui e agora”, tão cantado no pós-modernismo. (...) tudo pára no instante em que nada perece – tudo é criança, não há morte, nem envelhecimento e nem dor. Apenas paixão. (11)

As temáticas dos textos eram as mais diversas possíveis. Sempre temas que atravessavam o cotidiano, a década, os anos 80. O público, ou “os públicos”, era(m) notívago(s). E era formado pela identificação direta entre platéia e palco. Já que não existia separação. Quantas vezes o palco não foi a própria platéia?
Em seu apartamento no Janga/Paulista, Moisés Neto findou-me seu depoimento dizendo:

"Nos fins da década de 80, a fórmula estava exausta. Aí veio o primeiro golpe precisamente em 88, quando a Ilusionistas perde suas características e junta-se a outros produtores culturais (profissionais do ramo) que eram alheios à ideologia do grupo. Como era bom ser jovem e fazer teatro. Tínhamos, também, por vezes, inspirações locais como os já citados e 'O Extrato de Formosura' (Eduardo Maia). Mas a lembrança forte da abertura dos anos 80 com 'Guarani com Coca-Cola', uma criação coletiva, 'Muito Pelo Contrário' (João Falcão). A morte de Marcos Siqueira – e o seu teatro político. O próprio Vivencial de Guilherme Coelho, de Suzana Costa, de Ivonete Melo e de Américo Barreto." (12)


A existência, para Moisés Neto, de uma pseudo-crítica, levou-o a abandonar as produções teatrais durante 5 anos. Irritou-se com isso. Era o fim. A presença de um “crítico teatral” acabava com a década de 80, com relação ao teatro pernambucano. “LA CUMPARSITA” (1991), marcou um hiato no trabalho da Ilusionistas Corporação Artística. E finaliza Moisés Neto, dizendo: "Os primeiros anos da Ilusionistas foram muito experimentais.Uma época que passou e pronto.Aquilo tudo era muito ingênuo. Tínhamos liberdade de dizer o que queríamos.E dissemos!"

No ano de 1982, Moisés havia escrito o livro “A NOITE DOS SENTIMENTAIS”, que a Ilusionistas produziu a editoração em abril de 1983. Uma ficção urbana, desenvolvida dentro de um apartamento que para o autor simboliza a cidade (Recife), seus habitantes e conflitos.

A fórmula, como disse o próprio Moisés Neto, estava esgotada mesmo, ou não tinha bastante profundidade, fundamentação, para sustentar-se? Não houve semente daquelas árvores ou os frutos não vingaram?Foi uma geração que produziu José Manuel,João Falcão,Henrique Amaral,Luis Felipe Botelho e outros que hoje seguem caminhos tão diversos.

Moisés Neto hoje é professor de literatura, lecionando nas redes privada e estadual. Escreve regularmente para jornais e revistas.

Outros do grupo estão no Japão (Fátima Barreto), na França (Mozart Guerra), na Alemanha (Vladmir Combre de Senna),Paulo Barros em São Paulo (cinema), Augusta Ferraz fundou outro grupo teatral. Mas a Ilusionistas está mais viva do que nunca e cheia de projetos...

Eu vivo num tempo sem sol.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia (13)


Recife, 10/16.07.97


Notas:

(1) – Carlos Alberto Messeder Pereira. In Folha de São Paulo. Poesia Marginal, Um Balanço Provisório. Folhetim. Domingo, 28.02.82. P. 6.

(2) – In Arte Em Revista. Depoimento/entrevista c/Raghy do Grupo Viajou Sem Passaporte. “Ora Pombas!” nº 8. São Paulo, 1982. Pp. 116 a 199.

(3) – Depoimento/entrevista de Moisés Neto a Albemar Araújo em out/97.

(4) – idem

(5) – idem

(6) – Jomard Muniz de Britto. Palestra gravada na FUNDAJ. Pernambuco. 1997.

(7) – Teixeira Coelho. Dicionário Crítico de Política Cultural. Cultura e Imaginário, São Paulo, Iluminaras/FAFESP, 1997. P. 64.

(8) – In Diário de Pernambuco. Cad. Viver. Exponha-se. Pernambuco. Sábado, 15.11.86, P. 64.

(9) – op. Cit. Nota 7.

(10) – op. Cit. Nota 8.

(11) – Valdi Coutinho In Diário de Pernambuco. Caderno Viver. Capa. Quinta-feira, 21.08.80.

(12) – Depoimento de Moisés Neto a Albemar Araújo, em out/97.

(13) – Berthold Brecht In Brecht Vida e Obra. Fernando Peixoto. Paz e Perra. Rio de Janeiro, 1974. P. 347.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


LIVROS:

COELHO, Teixeira. Dicionário de Política Cultural. Cultura e Imaginária, São Paulo, Iluminaras/FAPESP, 1997.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Waltensir Dutra. 10º, Zahar, 1974.

PEIXOTO, Fernando. Brecht Vida e Obra., José Olympio/Paz e Terra. Rio. GB, 1974.
REVISTAS:

BÜRGER, Peter. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 91 a 92.

HAVERNAS, Jürgen. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 86 a 91.

HUYSSEN, Andréas. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 92 a 94.

LYOTARD, Jean-François. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. Pp. 94 a 96.

PORTOGHESE, Paolo. In Arte em Revista, nº 7. “Pós-Moderno”, São Paulo, CEAC/FAPESP/FUNARTE, 1983. P. 96.


Albemar Araújo é diretor do Departamento de Artes Cênicas da Fundação de Cultura do Recife.




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